domingo, 22 de setembro de 2013

Café com Siéllysson entrevista o jovem psicólogo Flávio Lúcio Lima


 Entrevista 15


De tantos papos informais, teóricos e filosóficos durante os exercícios  na academia perguntei ao jovem Psicólogo Clínico e Doutorando em Psicologia Social pela UFPB: "Você gostaria de oficializar esse papo numa entrevista?" Agora vocês terão acesso ao que conversamos entre um exercício e outro. Flávio Lima é mais um santarritense que faz a diferença.



SIÉLLYSSON – Atualmente você pesquisa sobre a paternidade nos dias atuais. O que há de diferente dos pais na pós-modernidade e os pais do passado?
FLÁVIO - Inicialmente, agradeço imensamente o convite, bem como parabenizo a iniciativa do blog não apenas pelo que faço, mas também por ser santarritense e comungar da real intenção de tal iniciativa. Voltando a pergunta formulada, eu diria que a paternidade vai se construindo conforme o tempo histórico. Existe sim muita diferença do pai de antigamente para o pai contemporâneo. A literatura indica que hoje a paternidade sofre transformações concomitantes aos novos modelos de masculinidades e os novos arranjos familiares, sendo assim não existe uma paternidade, mas sim “paternidades”. Fala-se hoje de uma “nova paternidade”, um “novo pai”, que seria aquele homem comprometido com a família em várias dimensões, sobretudo a dimensão afetiva, papel até então desempenhado apenas pela mãe. Com o “novo pai” o homem deixa de ser apenas o pai provedor e passa a ser também o pai afetivo, aquele que também cuida dos filhos, educa, participa. O homem deixa de ser externo à família, papel historicamente construído, e passa a ser interno.

 SIÉLLYSSON – O seu estudo sobre a paternidade ajudou a compreender melhor seu pai?
FLÁVIO - Certamente. Enquanto pesquisador, não há como desenvolver um estudo sem fazer relação com a realidade empírica, a realidade concreta. Diversas vezes me reporto à realidade que me cerca, e nela não há como não relacionar as experiências paternas que me são próximas, meu pai é uma delas. Apesar dele (meu pai) não fazer parte do meu estudo, mas o simples fato deve estar incluso no fenômeno da paternidade já me faz compreender muitas coisas.

 SIÉLLYSSON – Há linhas da sociologia que diz que não existe instinto humano, que nós somos os únicos seres que aprendemos a ser o que somos, ou seja, humanos. Você concorda?
FLÁVIO - Pensando pela lógica construcionista ou interacionista, eu diria que a ideia de humanidade, de ser humano enquanto ser social é construído. Tudo que somos e fazemos proviria de uma interação social. Neste sentido, aprendemos sim a ser o que somos através das pessoas com as quais convivemos, através de nossos pares. Se pararmos pra pensar, biologicamente, quando nascemos somos puramente seres do reino animal. O que nos diferencia de outros animais são funções cerebrais mais elevadas que outras espécies. Contudo, nascemos sem muitas influências, excetuando-se apenas as cargas genéticas que já nascemos com elas. A partir do momento em que convivo com alguém, compartilho de experiências passo a ser transformado e influenciando pelo ambiente, sendo, portanto a todo momento moldado. Refletindo por esta via, acredito que podemos sim afirmar que aprendemos a ser humanos, uma vez que se fôssemos marginalizados desse convívio social, certamente nos aproximaríamos mais dos animais irracionais. Resumidamente, ao ser humano é indispensável o convívio social pra que se defina o que ele é. Através da interação social eu me construo enquanto pessoa e ser humano.

SIÉLLYSSON – Não é a paternidade um instinto humano adquirido no processo evolutivo como forma de preservação do seu gens?
FLÁVIO - Considero complicado relacionar “instinto humano” com paternidade porque não concebo bem a ideia de um “instinto humano”. Penso que a palavra instinto se relaciona mais as nossas funções mais primárias, aquelas funções que nos aproximam mais dos animais. Acredito que a paternidade, na forma como se apresenta para nós, é um fenômeno da vida masculina marcado profundamente por papéis sociais, é uma função ligada estritamente ao social. Entretanto, se insistirmos em pensar a paternidade enquanto instinto, penso que algumas espécies de animais tem uma predisposição de cuidado, de vigiar, de zelar pela cria numa atitude sim de perpetuação da espécie. Contudo, o que gostaria de frisar é que entre os animais não há uma intenção de se ser pai, uma preocupação com a função de ser pai, não há uma consciência do papel social que se desempenha.

SIÉLLYSSON – Segundo a filósofa existencialista Simone de Beauvoir, (O Segundo Sexo - 1949), uma profunda análise sobre o papel das mulheres na sociedade ela afirma que ninguém nasce mulher é construída socialmente. Se tudo são influências e construção social, como se explicaria o caso de transexualismo na infância?
FLÁVIO - Comungo com o pensamento da referida filósofa, pois considero que muito do que somos é construído socialmente. No que se refere às construções de gênero, por exemplo, também elas são formadas a partir de concepções formuladas por um coletivo social. As ideias de homem e mulher, bem como os papéis desempenhados pelos mesmos são determinados sob a orientação de uma vivência social e cultural. O conceito de gênero é considerado uma variável social que se estruturou através da noção biológica de sexo. Em outras palavras, ao se nascer macho ou fêmea (diferenciação biológica) espera-se de cada ser determinados atributos ou atitudes que irão compor o seu comportamento, seu modo de ser ante o mundo. O gênero diz respeito a categorizações de pessoas baseadas no imaginário sexual e que só podem ser compreendidas no contexto das relações sociais. O estudo sobre gênero tem crescido bastante nas ciências humanas, sobretudo o enfoque acerca do gênero masculino e dentro dele a paternidade. A paternidade e o envolvimento afetivo do homem no contexto familiar deve também ser entendido sob a ótica das construções de gênero, uma vez que por muito tempo o homem foi marginalizado da família e do lar tendo em vista que este não seria seu campo de atuação.
No que se refere ao que você chama de “transexualismo” na infância parece ser simples compreender, contudo com algumas ressalvas. No desenvolvimento infantil e por sua vez na estruturação da sua personalidade, toda criança a partir dos 2 anos de idade passa a representar seu mundo através de fantasias, é a fase do pensamento mágico e das projeções. Portanto, é bastante comum que toda criança para entender melhor o mundo que a cerca utilize-se de figuras mágicas, como por exemplo, super-heróis, mitos, fadas e monstros. Também nesta fase é comum a criança se projetar no adulto e assim se “transvestir” em pessoas que para elas são significativas (a mãe, o pai, o responsável, por exemplo), num gesto de identificação. Parece bastante comum no imaginário popular relacionar questões de orientação sexual a uma infância sem limites ou algo do tipo, e com isso parece que sempre buscamos justificar a homossexualidade como um erro de comportamento. Esta seria uma ressalva a ser feita nesta questão das vivências mágicas infantis que em nada tem haver com questões de orientação e identidade sexual, estas só vão ser melhor compreendidas quando o ser humano atinge a sua adolescência e vida adulta.

SIÉLLYSSON – A paternidade é apenas uma construção de um papel social?
FLÁVIO - Tenho visto na literatura a paternidade sendo expressa como um papel social masculino. Contudo, vale ressaltar que este papel vem sendo composto por várias facetas, várias expressões, metamorfoses que são estruturadas a partir do sujeito, das relações sociais, da história da família, dos novos arranjos familiares, da sexualidade e do amor, da sociedade, da identidade social, do contexto histórico. Tudo isso eleva a paternidade de um mero papel social ao posto de construção social, algo que é muito mais amplo que um papel, quando falo de construção indico a indeterminação do fenômeno, não existe algo acabado, não há um fim em si, há especificações a serem compreendidas e a cada observação um novo ponto construído. Neste sentido, enxergar a paternidade como uma construção é ir muito além do que ela vem sendo vista, ou seja, um papel social. Isso não é algo pequeno, é amplo e complexo.

 SIÉLLYSSON – O que fazem as pessoas (pais e mães) que optam em não ter filhos?
FLÁVIO - Se eu disser que eles têm esse direito de opção, talvez o leitor possa imediatamente ignorar minha resposta objetiva, ou então me censurar afirmando que todo homem deve ser pai, é seu papel. Mas acredito sim que este é um direito de todo ser humano, direito de escolher, optar, decidir, inclusive em ser mãe ou pai. Vivemos num mundo em que tudo é determinado, tudo é ditado. Ao se nascer espera-se que algum dia do homem ou da mulher a constituição da família e por sua vez a paternidade e maternidade, respectivamente. Estes são os papéis sociais determinados para os seres humanos. Parafraseio a pergunta inicial: E se eu não quiser ser pai? Não tiver vontade de ser mãe? É melhor que não seja. Eu diria. A paternidade deve perpassar a dimensão da subjetividade masculina, nunca a subjetividade deve ser esquecida, pois é a partir da omissão desta dimensão que muitos conflitos passam a existir, inclusive inúmeros conflitos e infelicidades intrafamiliares.


SIELLYSSON – Diante de todo conhecimento adquirido por meio de sua pesquisa no doutorado em Psicologia como você definiria a antiga frase dos romanos sobre a paternidade: “Filhos, melhor não tê-los. Mas se não tê-los como sabê-los?”.
FLÁVIO - Num primeiro momento isso me reporta a grande questão dos problemas familiares nas relações pais-filhos, nas dificuldades na educação e manutenção econômica da família que desestrutura a vida do homem e da mulher, e que muitas vezes tomam proporções maiores e se tornam problemas sociais. Estas problemáticas estão na base da decisão de muitas pessoas em ter filhos na atualidade. Muito se fala nas dificuldades em ser pai e mãe, na educação ante o mundo que vivemos. Reitero a importância de liberdade subjetiva na opção em ser pai e mãe, isso é um fato. Porém, quando a opção em ter filhos é clara, algumas vezes somos ludibriados pelas representações e estereótipos que se constroem acerca da paternidade e maternidade. Aí, me reporto à segunda frase da citação. Como saber as peculiaridades de uma experiência se nunca experienciei? Por vezes marginalizamos nossa própria condição de sujeitos e, neste sentido, passamos a compreender as grandes influências sociais as quais estamos expostos todos os dias. A paternidade e maternidade sofrem impactos desta realidade.

SIÉLLYSSON – Você atua na sua área em Santa Rita?
FLÁVIO - Não, ainda não. Atualmente me dedico apenas ao doutorado o qual estou em processo de conclusão. Já tive algumas oportunidades profissionais em Santa Rita, inclusive iniciei um projeto de implantação de psicologia clínica e hospitalar num hospital local, contudo a demanda e recursos eram escassos e impossibilitaram a empreitada.
Entretanto, este é um projeto antigo desde que terminei minha graduação em psicologia. Sempre nutri o interesse em estabelecer campo profissional de psicologia na minha cidade. A psicologia ainda é um serviço novo para as pessoas, distante da realidade de alguns, é necessário desmitificar muitas coisas, superar muitos preconceitos.

 SIÉLLYSSON – Que mensagem você deixa para os estudantes que querem seguir a carreira de psicólogo.
 FLÁVIO - Vou responder recordando meu primeiro dia de aula em psicologia, na primeira disciplina técnica do curso, uma professora nos falou mais ou menos nestas palavras: “Vistam a camisa e abracem a causa, entrem no campo certo pra jogar e joguem certo.” Penso que se resume a isso motivação, dedicação, ética e perseverança. E isso se aplica a tudo em nossa vida. Certamente, escutamos muita coisa sobre a profissão, sobre o psicólogo, sobre as demandas profissionais, mas quem faz a profissão é o profissional. Como disse a psicologia ainda é desconhecida, quando se fala em psicologia imediatamente lembramos consultório clínico, hospitais psiquiátricos, autoajuda, ajuda a necessitados, entre outros. A psicologia é vasta em subáreas e necessário é o compromisso profissional de pessoas motivadas para o trabalho nesta área. Uma coisa é certa que gostaria de frisar a psicologia é muito mais ampla do que a psicologia clínica, bem como quem quiser entrar no campo da psicologia é necessário desmitificar a visão assistencialista que aplicamos a esta ciência. O psicólogo não dá ajuda a ninguém. O psicólogo é um profissional que trabalha em diversas vertentes do conhecimento. No mais desejo que todos se encontrem com esta profissão a qual sou suspeito em falar bem.
A Imagem acima é Flávio Lima, fotografia do seu orkut
Entrevista publicada em 05 maio 2012 21:48

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