domingo, 15 de março de 2015

Café com Siéllysson entrevista a historiadora Martha Falcão



Entrevista 31 
Parte I


Filha do ex-prefeito de Santa Rita, Antônio Teixeira, Martha Falcão é uma historiadora renomada, foi procuradora da Prefeitura de Santa Rita, advogada trabalhista em Lucena, professora da UFPB. Nesta entrevista ela fala de sua experiência acadêmica, suas lembranças e suas obras literárias.

SIÉLLYSSON – A senhora exerceu sua advocacia por anos em Santa Rita e já era da Educação. Em qual dessas duas profissões lhe deixou mais realizada?
MARTHA FALCÃO - Eu acredito. Uma das coisas importantes da vida é o lugar onde fomos criados, além do DNA, eu acredito na genética, então eu tive uma bisavó que não pode estudar, era uma mulher só analfabeta, mas ela colocou uma espécie de estúdio, escritório, um espaço onde ela ensina as pessoas da praia de Fagundes a fazer cochas de crochê, de artesanato, de rendas,  de tudo o que ela pode ensinar as pessoas. Ela se sentia professora, além das palestras que ela dava para s mulheres que iam se casar, dando conselhos de higiene de economia doméstica. Nem por isso Dona Bela (Liberalina) deixou de ser uma educadora. Então, eu acredito que a parte da genética de Dona pesou muito em mim, porque desde pequena o meu sonho era ser professora. Mas acontece que eu já tinha em casa 5 anos mais velha do que eu minha irmã que fez o curso de história, mas nunca gostou de ensinar, então se realizou como administradora, foi administradora do INASPS naquele tempo, aposentou-se em outra função, é minha irmã Vicentina.
Então, eu não podia dizer a meu pai que ele ia ter novamente uma filha professora. Para meu pai só existiam três profissões que ele como político adorava. Ele tinha o sonho de ter um filho médico, de ter um engenheiro ou advogado. Eu não tinha vocação para as duas carreiras, mas sim para a terceira. Depois prisão do meu pai, eu estava fazendo o clássico (o antigo Ensino Médio) quando ele foi preso, me preparando para entrar na Universidade. Então, isso pesou para que eu escolhesse o curso de Direito. (Antonio Teixeira foi preso pelo regime militar) Fiz vestibular com uma turma de cinquenta alunos na Universidade Federal, naquele tempo só tinha 50 vagas. E tive a honra de ter sido aprovada em terceiro lugar e ser a primeira das mulheres. Também tive a honra de ser acompanhada por dois contemporâneos meus, Dr. Reginaldo Antônio de Oliveira, hoje é juiz aposentado, é escritor, é poeta e Dr. Reginaldo Pereira que recentemente ocupou a prefeitura de Santa Rita. Mas, nunca deixei de ser professora.
Imagem de Antônio Teixeira disponível na internet


SIÉLLYSSON - A Senhora começou sua carreira profissional como professora?
Sim. Meu primeiro emprego foi quando eu tinha 17 fui auxiliar uma grande educadora santarritense Clara Peregrino Bezerra, chamada Dona Caluzinha. Então, com Dona Caluzinha eu aprendi muito e tomei gosto pela Educação. Ela era uma educadora de corpo e alma, que anos mais tarde homenageamos no Lions Clube com uma biblioteca, no Projeto que idealizei “Leitura e Cidadania na Comunidade”, a biblioteca em sua homenagem ficou na Escola Municipal Odilon Ribeiro, em Tibiri II.
Eu fiz o Curso de Direito; passei 20 anos na Comarca de Santa Rita, 15 foram no Tribunal de Jure, tive uma experiência muita boa como defensora; aprendi com as pessoas carentes a ser mais humilde e ver o outro lado da vida. Apesar de não ser uma vocacionada, eu procurei fazer o melhor de mim. Passei 5 anos na Vara da Família, ajudei muitas pessoas na questão de alimentação, caso de brigas conjugais. Mas, a minha grande vocação é como professora.
Dona Caluzinha - Acervo: Photos Viégas, imagem disponível na internet

SIÉLLYSSON – Em algum momento pensou em deixar o curso de Direito para seguir na Educação?
MARTHA FALCÃO - Certo dia eu tomei a decisão de deixar o curso de Direito; sabia que não ia ter apoio nenhum em casa, então, tive ajuda de uma grande educador, hoje é Educador Emérito, o professor Afonso Pereira, saudosa memória, o criador das escolas Padre Ibiapina, criador da Universidade Federal da Paraíba, um dos fundadores do Curso de Direito aqui. Ele me chamava de Ariana, porque ele era encantado porque eu tinha o cabelo bem grande, louro e os olhos claros, ele também era um tipo alemão. (tenta imitá-lo) Ariana, Ariana... (risos) eu perdi o meu nome – São questões do amor? Não. São questões profissionais. Por que você está tão triste? Isso no primeiro ano de Direito. Aí eu disse: porque, professor, estou muito decepcionada com a maneira de o meu país fazer justiça e eu quero deixar esse curso. Ele: Minha filha, você é uma das melhores alunas do curso, apaixonada por direito romano, e por que você está assim? Respondi: Estou traindo minha vocação. Eu queria escrever, ser escritora, ser historiadora e eu sei que o caminho é outro; tenho que fazer o curso de História. Aí ele me disse: Faça o seguinte, minha filha, vivemos no país dos bacharéis, você faz seu curso de Direito, assegura sua sobrevivência, depois você faz o curso que você quiser. Não esqueço nunca desse conselho. No penúltimo ano, eu conheci o amor da minha vida, abandonei céu e terra, preconceitos de todas as espécies; uma moça loura de olhos claros de uma família branca tradicional casar com um homem de ascendência e descendência negra. Mas, aí meu marido era um homem que era admirava em todos os sentidos, era homem já vivido. Minha família alegava isso, que ele era um homem mulherengo, para não admitir o preconceito de cor. Meu pai dizia a minha mãe: “Não adianta fazer drama porque a minha filha já fez a escolha dela.” Então contrariei a todos casei sem terminar meu curso, engravidei depois. Meu marido me deu todo apoio, eu terminei meu curso. Fui ser procuradora da Prefeitura de Santa Rita, fui ser advogada trabalhista em Lucena e fui fazer Especialização em História.

Martha Falcão com seu esposo (in memoria) no lançamento do livro "Santa Rita, a herança cristã do real ao Cumbe. Acervo do autor. Autoria da imagem: Thiago Costa Meireles

SIÉLLYSSON - A senhora sentiu preconceito em Pernambuco? Até porque sempre existiu certa disputa entre esses dois estados, talvez porque a Paraíba esteve em um momento de sua história submissa politicamente a Pernambuco...
Durante muito tempo Pernambuco foi capitania hegemônica da Região nordeste. Hoje é que Pernambuco disputa o seu poder econômico com Rio Grande do Norte, mas isso veio com a descoberta do petróleo. Antes quando se viviam do porto, de comércio, da agro- exportação Pernambuco dominou e foi hegemônica em todo nordeste, disputando a cana de açúcar somente com Alagoas, depois cresceu muito Ceará, Rio Grande do Norte tornou-se petrolífera, Sergipe também, e hoje vivem disputando em igualdade, mas Pernambuco tem o seu valor e cultural, histórico, foi uma capitania que ajudou a duas demais capitanias, primeiro ela comandou a conquista da Paraíba, e como a Paraíba ajudou a conquista do Rio Grande do Norte. Então, isso criou no pernambucano um orgulho de superioridade, inclusive a partir de 1817 quando houve a revolução regionalista republicana que é um dos movimentos mais importante da libertação do Brasil de Portugal; um movimento pioneiro que contou com o clero, com as classes paupérrimas. Este movimento é mais popular do que a inconfidência mineira (ela está tratando de popular no sentido de ter atingido um número maior de pessoas pobres). E os pernambucanos escreveram um livro “A história da Revolução Pernambucana” e o que eu procurei no meu trabalho de 1817 foi justamente mostrar que Pernambuco não fez a Revolução de 1817 sozinho. Teve o apoio de Alagoas, parte do Ceará, e, sobretudo, a Paraíba, se não fosse esta eles não teriam chegado lá pra dominar.
Chegou uma época, isso falo no meu livro, que os estudantes não tinham um curso preparatório, os ricos iam pra Coimbra, pra França, dependendo dos recursos financeiros dos pais, isso só quem era ligado à exportação podiam fazer, ou eles iam para uma escola de artífices ou liceus, porque só tinha o ensino médio para quem tinham condições de estudar na Europa ou em Pernambuco. Então, chegavam lá, os paraibanos eram muitos humilhados. É tanto que Pernambuco tem que é deles e ainda quer tomar o que é dos outros, pelo fato de Ariano Suassuna ter sido criado em Pernambuco; se Ariano ficasse calado eles tomavam ele de nós, mas Ariano diz logo que é de Taperoá, na Paraíba, entre outros artistas.

SIÉLLYSSON - Mas a senhora sentiu o preconceito na pele?
Certo dia eu vinha no elevador com uma amiga, saudosa memória, estávamos vindos da aula de Sociologia da Cultura, fomos os únicos dois (A)s da turma no mestrado em História, duas paraibanas. E quem ensinava a disciplina era um sociólogo renomado que fez um trabalho reconhecido no Brasil todo, por ter estudado o Rio São Francisco, Hobidias Moura, saudosa memória, e ele colocou o grau de excelência em nossos trabalhos, o que corresponde ao conceito A. Na mesma semana recebemos um trabalho de Ariano Suassuna sobre os Sertões de Euclides da Cunha, novamente tiramos “A”, eu e Maria Santana.
Apesar de ter alagoanos e de outros estados, o preconceito era maior para com os paraibanos. Naquela época só tinha o mestrado de história em Pernambuco, depois é que se criou na Bahia. Então, eles (os pernambucos) ficaram com aquele “A” atravessados na garganta, na primeira oportunidade em que eles chegaram ao elevador com a gente, disseram “É danado mesmo duas paraibanas são as únicas que tiram “A” logo em duas disciplinas importantes no Curso de Mestrado. Mas, a Paraíba é terra de mulher macho” deram uma gargalhada debochada, aí eu respondi: “Agora você imagine os homens de lá.” (risos).
Eles (os pernambucanos) têm um ar de superioridade que acho que é uma herança cultural do povo polarizador, de tudo o prestígio que eles disputaram no Período Colonial.

SIÉLLYSSON – A senhora é autora de “Nordeste, Açúcar e Poder” e “Poder e Intervenção Estatal” Em sua opinião qual é o melhor dos dois trabalhos?
O “Nordeste, Açúcar e Poder” foi um livro que fez parte de um projeto de nível nacional,  num período em que todas as universidades federais inscreveram seus trabalhos e na área de História o meu foi escolhido para o Centenário da República e o Bicentenário da Revolução Francesa, então no governo de Sarney (1985-1990)houve essa preocupação de comemorar com o CNPq auxiliando o lançamento de livros nas Universidades, desde que essas entrassem com a co-edição. Então, eu tive a grata surpresa de receber do Prof. Jhofflin Arruda a notícia desse projeto que tinha como títulos “liberdade, liberdade abre as asas sobre nós”.
Eu tive grata satisfação de ver meu livro escolhido e devo muito ao Professor José Octávio, porque minha dissertação estava pronta, mas não havia nem defendido, ele tirou uma cópia e inscreveu. Mas, eles me propuseram modificar o título do trabalho para “República, Açúcar e Poder” eu disse que não, que tinha muito orgulho de ser nordestina e nos dois primeiros capítulos eu escrevi da Colônia a República sobre as bases da formação nordestina para poder entrar propriamente no assunto de caso que é a Oligarquia Açucareira na Paraíba, focando no meu município que é Santa Rita. Então, eu acho que por ser uma publicação de nível nacional pelo CNPq. Porém, acho que na época eu era muito verde e não tinha maturidade pra ser uma marxista, só consegui um orientador na área de sociologia e que se ele veio muito na Paraíba foram duas vezes, por não conhecer muito sobre a Paraíba ele só elogiava então metodologicamente o trabalho não saiu perfeito, pegamos uma editora dando seus primeiros passos. Ele ficou com algumas falhas, mas acho que ele é um livro de 10 anos, história de uma vida. Entrei no curso em 1980 e só consegui defender em 1990. Entrei no curso quando tinha perdido meu pai. Este livro tem várias pessoas que me inspiraram incluindo o Padre Paulo Kollen e meu primo comunista Davi comunista.
Quando eu fiz o segundo livro já estava mais amadurecida e tive uma orientadora perfeita em metodologia que é a Drª Rosa Godoy. Chorei muito quando recebi a “Distinção” no doutorado lembrando as injustiças que me fizeram no mestrado. Então, no meu segundo a capacidade de síntese é maior, mas em termo de valor histórico eles são iguais.

SIÉLLYSSON - Em “Nordeste Açúcar e Poder” a senhora volta-se para o poder das oligarquias e a oposição desta como seu pai, os comerciantes e operários como Davi Falcão que foi preso e torturado na Intentona Comunista de 1935 durante o governo de Argemiro Figueiredo. Por ser Davi Falcão seu primo, houve um desejo pessoal de estudar o governo de Argemiro em seu Doutorado?  
(A resposta desta pergunta e toda a sua história com o revolucionário Davi Falcão, as lembras dela sobre Argemiro Figueiredo estará na segunda parte desta entrevista. Aguardem!)

quarta-feira, 11 de março de 2015

Cinema no cafofo para Glaúcio Souza





 No dia 27 de janeiro de 2015 o prof. Siéllysson realizou em sua residência (cafofo) uma homenagem ao cineasta santarritense Gláucio Souza, exibindo seu filme "Vasto Mundo", o documentário "Essas Senhoras" e trechos inéditos da sua última entrevista que Gláucio concedeu ao prof para a sessão do blog "Café com Siéllysson". A noite foi abrilhantada com a presença do pai do cineasta e com os comentários da agitadora cultural Sandra Alves que segundo ela "Todos ganhamos quando as ações são coletivas, quando acreditamos nos nossos e fortalecemos a nossa base, nosso trabalho se for aplaudido na nossa casa, certamente o vizinho ouvirá." 
Siéllysson pretende outras sessões de cinema e pipoca no Cafofo, homenageando outros artistas santarritense. 
Veja o filme disponível no Youtube
Assista também o documentário "Essas Senhoras"
Assista um trecho da entrevista com Gláucio no "Café com Siéllysson"

Vejam as imagens da sessão de cinema no Cafofo
trechos da entrevista de Gláucio Souza foi exibida

Material explicativo sobre a obra dela e trechos da entrevista foi entregue na sessão

Conheça mais sobre Gláucio Souza: http://siellyssonfrancisco.blogspot.com.br/2014/02/entrevista-com-o-cineasta-glaucio-souza.html

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