Entrevista 31
Parte I
Filha do ex-prefeito de Santa Rita, Antônio Teixeira, Martha Falcão é
uma historiadora renomada, foi procuradora da Prefeitura de Santa Rita,
advogada trabalhista em Lucena, professora da UFPB. Nesta entrevista ela fala
de sua experiência acadêmica, suas lembranças e suas obras literárias.
SIÉLLYSSON – A
senhora exerceu sua advocacia por anos em Santa Rita e já era da Educação. Em
qual dessas duas profissões lhe
deixou mais realizada?
MARTHA FALCÃO - Eu acredito. Uma das coisas importantes da
vida é o lugar onde fomos criados, além do DNA, eu acredito na genética, então
eu tive uma bisavó que não pode estudar, era uma mulher só analfabeta, mas ela
colocou uma espécie de estúdio, escritório, um espaço onde ela ensina as
pessoas da praia de Fagundes a fazer cochas de crochê, de artesanato, de
rendas, de tudo o que ela pode ensinar
as pessoas. Ela se sentia professora, além das palestras que ela dava para s
mulheres que iam se casar, dando conselhos de higiene de economia doméstica.
Nem por isso Dona Bela (Liberalina)
deixou de ser uma educadora. Então, eu acredito que a parte da genética de Dona
pesou muito em mim, porque desde pequena o meu sonho era ser professora. Mas
acontece que eu já tinha em casa 5 anos mais velha do que eu minha irmã que fez
o curso de história, mas nunca gostou de ensinar, então se realizou como
administradora, foi administradora do INASPS naquele tempo, aposentou-se em
outra função, é minha irmã Vicentina.
Então, eu não podia dizer a meu pai que ele ia ter novamente
uma filha professora. Para meu pai só existiam três profissões que ele como
político adorava. Ele tinha o sonho de ter um filho médico, de ter um
engenheiro ou advogado. Eu não tinha vocação para as duas carreiras, mas sim
para a terceira. Depois prisão do meu pai, eu estava fazendo o clássico (o antigo Ensino Médio) quando ele foi
preso, me preparando para entrar na Universidade. Então, isso pesou para que eu
escolhesse o curso de Direito. (Antonio
Teixeira foi preso pelo regime militar) Fiz vestibular com uma turma de
cinquenta alunos na Universidade Federal, naquele tempo só tinha 50 vagas. E
tive a honra de ter sido aprovada em terceiro lugar e ser a primeira das
mulheres. Também tive a honra de ser acompanhada por dois contemporâneos meus,
Dr. Reginaldo Antônio de Oliveira, hoje é juiz aposentado, é escritor, é poeta
e Dr. Reginaldo Pereira que recentemente ocupou a prefeitura de Santa Rita.
Mas, nunca deixei de ser professora.
Imagem de Antônio Teixeira disponível na internet |
SIÉLLYSSON - A
Senhora começou sua carreira profissional como professora?
Sim. Meu primeiro emprego foi quando eu tinha 17 fui
auxiliar uma grande educadora santarritense Clara Peregrino Bezerra, chamada
Dona Caluzinha. Então, com Dona Caluzinha eu aprendi muito e tomei gosto pela
Educação. Ela era uma educadora de corpo e alma, que anos mais tarde
homenageamos no Lions Clube com uma biblioteca, no Projeto que idealizei “Leitura
e Cidadania na Comunidade”, a biblioteca em sua homenagem ficou na Escola
Municipal Odilon Ribeiro, em Tibiri II.
Eu fiz o Curso de Direito; passei 20 anos na Comarca de
Santa Rita, 15 foram no Tribunal de Jure, tive uma experiência muita boa como
defensora; aprendi com as pessoas carentes a ser mais humilde e ver o outro
lado da vida. Apesar de não ser uma vocacionada, eu procurei fazer o melhor de
mim. Passei 5 anos na Vara da Família, ajudei muitas pessoas na questão de
alimentação, caso de brigas conjugais. Mas, a minha grande vocação é como
professora.
Dona Caluzinha - Acervo: Photos Viégas, imagem disponível na internet |
SIÉLLYSSON – Em algum
momento pensou em deixar o curso de Direito para seguir na Educação?
MARTHA FALCÃO - Certo dia eu tomei a decisão de deixar o
curso de Direito; sabia que não ia ter apoio nenhum em casa, então, tive ajuda
de uma grande educador, hoje é Educador Emérito, o professor Afonso Pereira,
saudosa memória, o criador das escolas Padre Ibiapina, criador da Universidade
Federal da Paraíba, um dos fundadores do Curso de Direito aqui. Ele me chamava
de Ariana, porque ele era encantado porque eu tinha o cabelo bem grande, louro
e os olhos claros, ele também era um tipo alemão. (tenta imitá-lo) Ariana,
Ariana... (risos) eu perdi o meu nome – São questões do amor? Não. São questões
profissionais. Por que você está tão triste? Isso no primeiro ano de Direito.
Aí eu disse: porque, professor, estou muito decepcionada com a maneira de o meu
país fazer justiça e eu quero deixar esse curso. Ele: Minha filha, você é uma
das melhores alunas do curso, apaixonada por direito romano, e por que você
está assim? Respondi: Estou traindo minha vocação. Eu queria escrever, ser
escritora, ser historiadora e eu sei que o caminho é outro; tenho que fazer o
curso de História. Aí ele me disse: Faça o seguinte, minha filha, vivemos no
país dos bacharéis, você faz seu curso de Direito, assegura sua sobrevivência,
depois você faz o curso que você quiser. Não esqueço nunca desse conselho. No
penúltimo ano, eu conheci o amor da minha vida, abandonei céu e terra,
preconceitos de todas as espécies; uma moça loura de olhos claros de uma
família branca tradicional casar com um homem de ascendência e descendência
negra. Mas, aí meu marido era um homem que era admirava em todos os sentidos,
era homem já vivido. Minha família alegava isso, que ele era um homem
mulherengo, para não admitir o preconceito de cor. Meu pai dizia a minha mãe:
“Não adianta fazer drama porque a minha filha já fez a escolha dela.” Então contrariei
a todos casei sem terminar meu curso, engravidei depois. Meu marido me deu todo
apoio, eu terminei meu curso. Fui ser procuradora da Prefeitura de Santa Rita,
fui ser advogada trabalhista em Lucena e fui fazer Especialização em História.
Martha Falcão com seu esposo (in memoria) no lançamento do livro "Santa Rita, a herança cristã do real ao Cumbe. Acervo do autor. Autoria da imagem: Thiago Costa Meireles |
SIÉLLYSSON - A
senhora sentiu preconceito em Pernambuco? Até porque sempre existiu certa
disputa entre esses dois estados, talvez porque a Paraíba esteve em um momento
de sua história submissa politicamente a Pernambuco...
Durante muito tempo Pernambuco foi capitania hegemônica da
Região nordeste. Hoje é que Pernambuco disputa o seu poder econômico com Rio
Grande do Norte, mas isso veio com a descoberta do petróleo. Antes quando se viviam
do porto, de comércio, da agro- exportação Pernambuco dominou e foi hegemônica
em todo nordeste, disputando a cana de açúcar somente com Alagoas, depois
cresceu muito Ceará, Rio Grande do Norte tornou-se petrolífera, Sergipe também,
e hoje vivem disputando em igualdade, mas Pernambuco tem o seu valor e
cultural, histórico, foi uma capitania que ajudou a duas demais capitanias,
primeiro ela comandou a conquista da Paraíba, e como a Paraíba ajudou a
conquista do Rio Grande do Norte. Então, isso criou no pernambucano um orgulho
de superioridade, inclusive a partir de 1817 quando houve a revolução
regionalista republicana que é um dos movimentos mais importante da libertação
do Brasil de Portugal; um movimento pioneiro que contou com o clero, com as
classes paupérrimas. Este movimento é mais popular do que a inconfidência
mineira (ela está tratando de popular no
sentido de ter atingido um número maior de pessoas pobres). E os pernambucanos escreveram um livro “A história da
Revolução Pernambucana” e o que eu procurei no meu trabalho de 1817 foi
justamente mostrar que Pernambuco não fez a Revolução de 1817 sozinho. Teve o
apoio de Alagoas, parte do Ceará, e, sobretudo, a Paraíba, se não fosse esta
eles não teriam chegado lá pra dominar.
Chegou uma época, isso falo no meu livro, que os estudantes
não tinham um curso preparatório, os ricos iam pra Coimbra, pra França,
dependendo dos recursos financeiros dos pais, isso só quem era ligado à
exportação podiam fazer, ou eles iam para uma escola de artífices ou liceus,
porque só tinha o ensino médio para quem tinham condições de estudar na Europa
ou em Pernambuco. Então, chegavam lá, os paraibanos eram muitos humilhados. É
tanto que Pernambuco tem que é deles e ainda quer tomar o que é dos outros,
pelo fato de Ariano Suassuna ter sido criado em Pernambuco; se Ariano ficasse
calado eles tomavam ele de nós, mas Ariano diz logo que é de Taperoá, na
Paraíba, entre outros artistas.
SIÉLLYSSON - Mas a
senhora sentiu o preconceito na pele?
Certo dia eu vinha no elevador com uma amiga, saudosa memória,
estávamos vindos da aula de Sociologia da Cultura, fomos os únicos dois (A)s da
turma no mestrado em História, duas paraibanas. E quem ensinava a disciplina
era um sociólogo renomado que fez um trabalho reconhecido no Brasil todo, por
ter estudado o Rio São Francisco, Hobidias Moura, saudosa memória, e ele
colocou o grau de excelência em nossos trabalhos, o que corresponde ao conceito
A. Na mesma semana recebemos um
trabalho de Ariano Suassuna sobre os Sertões de Euclides da Cunha, novamente
tiramos “A”, eu e Maria Santana.
Apesar de ter alagoanos e de outros estados, o preconceito
era maior para com os paraibanos. Naquela época só tinha o mestrado de história
em Pernambuco, depois é que se criou na Bahia. Então, eles (os pernambucos)
ficaram com aquele “A” atravessados na garganta, na primeira oportunidade em
que eles chegaram ao elevador com a gente, disseram “É danado mesmo duas
paraibanas são as únicas que tiram “A”
logo em duas disciplinas importantes no Curso de Mestrado. Mas, a Paraíba é
terra de mulher macho” deram uma gargalhada debochada, aí eu respondi: “Agora
você imagine os homens de lá.” (risos).
Eles (os pernambucanos)
têm um ar de superioridade que acho que é uma herança cultural do povo
polarizador, de tudo o prestígio que eles disputaram no Período Colonial.
SIÉLLYSSON – A
senhora é autora de “Nordeste, Açúcar e Poder” e “Poder e Intervenção Estatal” Em
sua opinião qual é o melhor dos dois trabalhos?
O “Nordeste, Açúcar e Poder” foi um livro que fez parte de
um projeto de nível nacional, num
período em que todas as universidades federais inscreveram seus trabalhos e na
área de História o meu foi escolhido para o Centenário da República e o
Bicentenário da Revolução Francesa, então no governo de Sarney (1985-1990)houve
essa preocupação de comemorar com o CNPq auxiliando o lançamento de livros nas
Universidades, desde que essas entrassem com a co-edição. Então, eu tive a
grata surpresa de receber do Prof. Jhofflin Arruda a notícia desse projeto que
tinha como títulos “liberdade, liberdade abre as asas sobre nós”.
Eu tive grata satisfação de ver meu livro escolhido e devo
muito ao Professor José Octávio, porque minha dissertação estava pronta, mas
não havia nem defendido, ele tirou uma cópia e inscreveu. Mas, eles me
propuseram modificar o título do trabalho para “República, Açúcar e Poder” eu
disse que não, que tinha muito orgulho de ser nordestina e nos dois primeiros
capítulos eu escrevi da Colônia a República sobre as bases da formação
nordestina para poder entrar propriamente no assunto de caso que é a Oligarquia
Açucareira na Paraíba, focando no meu município que é Santa Rita. Então, eu
acho que por ser uma publicação de nível nacional pelo CNPq. Porém, acho que na
época eu era muito verde e não tinha maturidade pra ser uma marxista, só
consegui um orientador na área de sociologia e que se ele veio muito na Paraíba
foram duas vezes, por não conhecer muito sobre a Paraíba ele só elogiava então
metodologicamente o trabalho não saiu perfeito, pegamos uma editora dando seus
primeiros passos. Ele ficou com algumas falhas, mas acho que ele é um livro de
10 anos, história de uma vida. Entrei no curso em 1980 e só consegui defender
em 1990. Entrei no curso quando tinha perdido meu pai. Este livro tem várias
pessoas que me inspiraram incluindo o Padre Paulo Kollen e meu primo comunista
Davi comunista.
Quando eu fiz o segundo livro já estava mais amadurecida e
tive uma orientadora perfeita em metodologia que é a Drª Rosa Godoy. Chorei
muito quando recebi a “Distinção” no doutorado lembrando as injustiças que me
fizeram no mestrado. Então, no meu segundo a capacidade de síntese é maior, mas
em termo de valor histórico eles são iguais.
SIÉLLYSSON - Em
“Nordeste Açúcar e Poder” a senhora volta-se para o poder das oligarquias e a
oposição desta como seu pai, os comerciantes e operários como Davi Falcão que
foi preso e torturado na Intentona Comunista de 1935 durante o governo de
Argemiro Figueiredo. Por ser Davi Falcão seu primo, houve um desejo pessoal de
estudar o governo de Argemiro em seu Doutorado?
(A resposta desta
pergunta e toda a sua história com o revolucionário Davi Falcão, as lembras
dela sobre Argemiro Figueiredo estará na segunda parte desta entrevista.
Aguardem!)