quarta-feira, 15 de abril de 2015

Café com Siéllysson, 2ª parte com Martha Falcão

Entrevista 31
Parte II

Nesta segunda parte da entrevista Martha Falcão abre o jogo e fala da sua frustração na política local, de sua candidatura em 2004, dos motivos que a levaram a escrever sobre Argemiro de Figueiredo, de sua relação intelectual com o comunista Davi Falcão, de sua infância e da relação familiar e com o feminismo. E não mete palavras para falar da política municipal.


SIÉLLYSSON - Em “Nordeste Açúcar e Poder” a senhora volta-se para o poder das oligarquias e a oposição desta como seu pai, os comerciantes e operários como Davi Falcão que foi preso e torturado na Intentona Comunista de 1935 durante o governo de Argemiro Figueiredo. Por ser Davi Falcão seu primo, houve um desejo pessoal de estudar o governo de Argemiro em seu Doutorado?  
MARTHA FALCÃO - Quando eu era pequena meu pai fez muitos comícios com Argemiro de Figueiredo, aquele homem magro, pálido, que ninguém dava nada por ele, mas quando ele abria a boca era um notário orador, era um homem de posições firmes, mas que comungava do poder; muito embora, tenha sido o único deputado da bancada dele a ter  se posicionado contra o Golpe de 1964 ficando do lado de João Goulart; era o único representante da Paraíba que estava na bancada e a ter essa atitude. Era um homem de atitudes firmes, mas era um conservador.
Eu era uma menina de 6 à 7 anos que ficava encantada com as bandeiras e com o discurso dele, tudo isso me marcou na infância. Mas depois de grande eu me tornei uma pessoa compulsiva por livros, na época Santa Rita só tinha uma biblioteca, que era “Américo Falcão”, que funcionava onde hoje é a Secretaria de Educação, ela foi fundada por Flávio Maroja que fez um prédio específico pra ela. Eu ia pra biblioteca que meu pai me levava com medo que eu fosse atropelada, nessa época meu pai era fiscal da prefeitura, mais adiante ficava a casa do meu primo Davi que tinha uma excelente biblioteca. Quando eu esgotei os livros da biblioteca Américo Falcão que eram compatíveis com minha idade meu pai me levou pra Casa do meu primo Davi, que era proprietário embora fosse funcionário da Fábrica Tibiri em um cargo burocrático por ser altamente competente. Na biblioteca dele eu tive acesso a vários clássicos da nossa literatura. Davi conversava muito comigo e dizia a papai que eu ia longe que valeria a pena estingar, investir. Quando atingi a idade do Ginásio eu li a “Revolução Russa”, “O ABC do Comunismo”, “O Estado e a Revolução”, meu pai achava que se não tivesse nada de sexo que despertasse antes do tempo, as coisas da política eu poderia ler. Davi partilhou parte a sua vida comigo principalmente sua visão comunista, pra minha mãe era melhor ser um leproso do que um comunista, mesmo sendo ela prima de Davi, não via com bons olhos minha aproximação com ele. Ela repetia muitas vezes que tinha medo que eu me tornasse comunista.  Então, a resposta pra sua pergunta seria talvez as duas coisas, por eu saber da luta dele (Davi) que fundou o sindicato juntamente com outros como Boca, Tomás. Ele era comunista, era uma pessoa magnânima, pra você ter uma ideia a mesa dele ia de ponta a ponta onde todo mundo comia, trouxe muita gente da praia de Fagundes pra estudar aqui, uma delas foi minha prima Vera, e, a admiração ao estadista Argemiro que reforçou com a minha vivência em sua terra, Campina Grande, tudo isso influenciou mas não me deixei abalar pela questão ideológica. Apesar de ter uma experiência diferente da dele, não deixo de admirá-lo como homem público, homem íntegro e grande administrador.
SIÉLLYSSON - Pelo que vejo a senhora era uma leitora assídua das bibliotecas...
MARTHA FALCÃO - Minha mãe achava que eu não era uma menina normal, pois nas férias na praia em vez de brincar ficava dentro de uma rede com uma danação de livros, certo dia me levaram pra fazer uma consulta no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira até que o médico Gutemberg Boteiro disse “sua filha não tem nada” . Havia casos de loucuras na família de mamãe; ela achava que quem estudava demais terminava assim (risos). Certa vez minha mãe veio com um compadre pra ver se eu estava mesmo estudando na biblioteca do Estado num dia de chuva, achando que eu estava no cinema namorando. Ela não acreditava que uma pessoa de 19 anos ficava socada dentro de uma biblioteca lendo. (risos)

SIÉLLYSSON - Seu pai foi prefeito de Santa Rita por duas vezes em campanhas dificílimas por ser oposição a UDN que dominava na política local. A senhora tentou uma carreira política na eleição de 2004 e desistiu de continuar na política. Por quê?
MARTHA FALCÃO - Eu tive uma ínfera votação. (risos)
SIÉLLYSSON - O que a senhora tirou de lição dessa experiência?
MARTHA FALCÃO - Por ter passado 20 anos numa comarca eu tive que organizar um fichário das pessoas que atendi procurei por eles nesse momento. Eu achei que com o trabalho da Comarca, do trabalho que eu desenvolvi no Lions Club e como educadora me ajudaria. Elaborei ideias e pedi aos meus colegas professores, mas não havia uma consciência de classe, a categoria de magistério é muito desunida. E meus constituintes quando eu cheguei ou eles já tinham candidatos ou iam voltar no clientelismo de uma candidata que tem lá que polarizava tudo e que vivia distribuindo remédios porque tinha a prefeitura nas mãos. Então, eu não encontrei guarida, mas ainda tive sem comprar voto nenhum, dado de reconhecimento 172 votos. Dentro do meu clube têm companheiros que nem me deram nem o seu voto isolado. Decepcionada eu achei que Egídio Madruga tinha razão, ele disse que minha vez foi quando eu fazia campanha pra Everaldo, pra meu pai. Eu era a única mulher a subir no palanque e discursar e que tinha um eleitorado seguro. Era pra ter me candidatado ali, mas meu pai, por uma questão de ética, dizia que era feio colocar a filha pra se candidatar e tomar a vez de outros. A minha vez era ali, quando voltei era tarde demais.
 SIÉLLYSSON - Já que a senhora falou dessa questão de ser a única mulher a discursar nos comícios do seu pai, Simone de Beauvoir diz que “foi uma mulher dentro de uma sociedade de homens” como a senhora se ver dentro de uma sociedade dos homens ou a sociedade já não é mais dos homens?
MARTHA FALCÃO -  O mundo já não é mais dos homens há muito tempo. Eu tenho um trabalho chamado “Mulheres em Macha” publicado na revista do IHGP, nesse trabalho eu mostro a poetisa Safro (524 a. C.) ela era da classe dominante na Grécia e seu pai deu a ela uma ilha; na Ilha de Lésbia ela fundou uma escola educar para mulheres. Ela foi à primeira mulher a dizer que as mulheres só chegariam ao mesmo patamar dos homens quando tivessem a mesma educação dos homens, porque não era dada essa oportunidade. Quando eu voltei do meu doutorado eu fiz questão de trabalhar com mulher. E o que me inspirou muito foi o livro de Jofilly “Revolta e Revolução 50 anos depois” é o primeiro livro da história da Paraíba que toca na questão do sufrágio mulher. As duas grandes Guerras e a Revolução Russa que tiraram a mulher do ambiente do lar pra desempenha as funções dos homens, muito embora essas mulheres não fossem as analfabetas, as que eram continuaram analfabetas, mas eram mulheres da classe média que estavam ocupando funções dos homens. Na UFPB criei muitas pesquisas para o CNPq para que meus alunos pesquisassem a omissão das mulheres na historiografia paraibana.
Simone de Beauvoir disse que não se nasce mulher torna-se mulher. Eu creio que as mulheres tomaram consciência de si no momento em que elas passam a conviver com os homens no trabalho como foi na Revolução Industrial. Elas passam a se perceber tão capazes quanto os homens, ela se viram como atores sociais fora do contexto do lar, isso é no primeiro momento, depois a própria educação vai se expandindo. Em 1919 vem o movimento chefiado por Bertha Lutz que funda a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Há muito tempo as mulheres conseguiram muitas vitórias. A década de 1920 alavancou a industrialização e a mulher esteve presente nesses movimentos e a consequência disso foi a mulher sindicalizada.(...) Ainda existem crimes institucionalizados contra a mulher no mundo oriental nos dias de hoje.
SIÉLLYSSON - Em 1999 assessorou o trabalho “Santa Rita: cidade das águas”, em 2007 prefaciou o meu livro sobre o patrimônio de nossa cidade. Como a senhora ver o cuidado municipal e estadual para como este conjunto arquitetônico?
MARTHA FALCÃO -  Acho lamentável que a gente tenha feito tanto esforço, como você com seu livro, eu com um inventário sobre todo este patrimônio, entreguei pra a Secretária de Cultura na época a secretária era Solange; ela se interessou mas não recebeu apoio nenhum. A gente sabe que de lá pra cá as pessoas quem ocuparam a secretaria, com raras exceções, mal sabem o que é um projeto e nem sabem que o Ministério da Cultura e o Ministério das Cidades têm tanto dinheiro. Infelizmente enquanto Santa Rita tiver essa política de clientela, enquanto Santa Rita fizer das secretarias balcões de negócios, enquanto o poder público dividir com os secretários das verbas federais que isso é uma constante,  - não vou dá nomes aos bois nem vou generalizar - , enquanto Santa Rita tiver gestores que não se cerquem da meninada que tem em Santa Rita jovem, formada. Santa Rita é um celeiro de grandes pessoas. Eu tenho orgulho de dizer que por mim passaram muitas pessoas de valores, você é um deles, Erick Meneses entre outros. Não quero cometer injustiça, foram tantos e tantos. Enquanto os gestores não se cercarem de pessoas capacitadas, enquanto eles se cercarem de pessoas desonestas o destino do patrimônio é desaparecer.
SIÉLLYSSON - O autor do livro “Antes que amanheça” Reinaldo Arenas disse “A pátria de um autor é a folha em branco”. Qual é a pátria de Martha Falcão?
MARTHA FALCÃO - Tolstói que é meu ícone ele disse “Canta tua aldeia e serás universal”. A pátria da Martha Falcão será sempre o local que um dia foi o povoado de Cumbe, ali é minha pátria, minha folha em branco.
A senhora é advogada aposentada e professora da UFPB aposentada. A senhora acha que a aposentadoria é essencial para desfrutar da família ou a senhora gostaria de está produzindo dentro da academia?
MARTHA FALCÃO - Não. Eu vim de um ambiente de muita falta de companheirismo. Passei 5 anos em campina Grande e é realmente a cidade do trabalho. Aqui quando tem greve as pessoas vão à praia. Greve é pra também se produzir, pra dar mais assistência aos alunos era assim em Campina Grande, pressionam a reitoria pra abrirem a biblioteca pra que os alunos tenham livros. Eu acho um crime inominável um aluno ficar 4 meses é sem direito a pesquisa na biblioteca, foi o que aconteceu aqui (UFPB) nem estavam em greve , mas a biblioteca parada. Para concluir: eu senti falta das lições de vida que tive em Campina Grande. Mas aqui havia muito desunião. Aqui questões partidárias influenciam nas relações e eu procurava resguardar essas coisas até por respeito aos meus alunos. (...) Não sinto falta da academia, meus alunos sempre me procuram.
SIÉLLYSSON - Em 2012 a senhora fez o Centenário do seu pai, Antônio Teixeira, sabemos da importância dele na política local; no ano de 2014 a senhora fez o centenário de sua mãe. O Objetivo era mostrar a importância dela em sua vida?
MARTHA FALCÃO - Não. A importância dela na vida dele. Acho que as mulheres são muito esquecidas. As pessoas dizem que por trás de um grande homem há uma mulher, eu não acho, acredito que do lado de um grande homem vem uma mulher. Senti-me muito honrada por uma grande parte da sociedade estar ali, os amigos delas. Senti-me muito honrada por relembrar uma grande mulher, tolerante que apesar de ser evangélica muitas vezes acompanhava meu pai em várias cerimônias religiosas, caridosa. Na rua em que ela morava havia um respeito muito grande entes os moradores, se tratavam como uma família, ninguém se maltratava, se ofendia por questões políticas como hoje em dia.
Como a senhora avalia a importância do seu pai para a cidade de Santa Rita?
MARTHA FALCÃO - A importância de meu pai na cidade foi por ter sido um homem que investiu muito na saúde e amava o Bairro Popular, chamava de “meu cuscuz”. O Bairro Popular amava tanto ele porque ele terraplanou, construiu os primeiros calçamentos ali, trouxe a energia e construiu as primeiras escolas. Ele teve preocupação de fazer convênio com os hospitais quando não tinha hospital público aqui quando não tinha INANP. Fez a saúde ambulante, itinerária que saia pela zona rural com médicos e dentistas, depois dele não houve mais. A preocupação de viajar para falar com Jofly e  pedir apoio a João Goulart para não esquecer de Santa Rita na campanha de SANDU, e Santa Rita ganhou o seu SANDU.
SIÉLLYSSON - A senhora não acha que falta um memorial em Santa Rita, um espaço pra lembrar dessas pessoas, da história daqui?
MARTHA FALCÃO - Falta sim. Eu fiz um projeto e entreguei a Mirtiz. Ela achou melhor achar comprar aqueles quadros que enfeitam por lá (prefeitura). Eu levei todo material fotográfico e eu tinha o apoio de Arimatéia Santana que ia doar as imagens dele também. Nesse tempo Viégas ainda estava vivo e me disseram que Marcos Odilon tinha comprado todo o acervo de Viégas.
SIÉLLYSSON - Que eu saiba não comprou, professora. O filho de Viégas estava recentemente digitalizando as imagens e tinha um projeto de lançar em Photo-book.
MARTHA FALCÃO - Ah, que notícia boa. Ele vai vender e tornar e tornar público. Quem me falou que compararia o acervo foi o próprio Marcos Odilon no IHGP. Lá de casa somente eu falo com Marcos Odilon. Papai estava na Prefeitura foi buscar os vencimentos dele quando Marcos Odilon agrediu meu pai, ofendendo de tudo o que não presta e expulsou-o de lá. Papai já estava preocupado com a minha cirurgia, abalado porque tinha resolvido cumprir uma promessa que fez a mulher dele, de enterrar os restos mortais dela na praia, isso tudo abalou meu pai e dois dias depois das desmoralizações meu pai enfartou.
SIÉLLYSSON - A senhora foi advogada, professora universitária, publicou suas pesquisas, constitui família. Sente-se uma realizada ou ainda tem muita coisa pela frente para fazer?
MARTHA FALCÃO - Se o Nosso Senhor Jesus Cristo me permitir que eu ainda publique tudo o eu tenho feito, se não for também não tem problema, sou uma mulher muito plena, tive uma família muito boa e que me influenciaram. Depois tive o prazer de casar com um homem que também tinha as virtudes do meu pai. (Ela se emociona ao falar do seu pai) (...) Meu pai certa vez me disse: “você vai manter seus irmãos unidos e vai zelar por minha memória pra que eu não seja esquecido. Prometa que não vai me enterrar em Fagundes, eu quero ser enterrado em Santa Rita, que me deu muito mais do que eu precisava.” (...) Eu pude comprar a casa dos meus pais, dos meus avós, restaurei só não pude morar lá. É como ter um filho e dar pra outra pessoa.(...)
A entrevista prestou?
SIÉLLYSSON - Foi plena!






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