Entrevista 31
Parte II
Parte II
Nesta segunda parte da
entrevista Martha Falcão abre o jogo e fala da sua frustração na política
local, de sua candidatura em 2004, dos motivos que a levaram a escrever sobre
Argemiro de Figueiredo, de sua relação intelectual com o comunista Davi Falcão,
de sua infância e da relação familiar e com o feminismo. E não mete palavras
para falar da política municipal.
SIÉLLYSSON - Em
“Nordeste Açúcar e Poder” a senhora volta-se para o poder das oligarquias e a
oposição desta como seu pai, os comerciantes e operários como Davi Falcão que
foi preso e torturado na Intentona Comunista de 1935 durante o governo de
Argemiro Figueiredo. Por ser Davi Falcão seu primo, houve um desejo pessoal de
estudar o governo de Argemiro em seu Doutorado?
MARTHA FALCÃO - Quando eu era pequena meu
pai fez muitos comícios com Argemiro de Figueiredo, aquele homem magro, pálido,
que ninguém dava nada por ele, mas quando ele abria a boca era um notário orador,
era um homem de posições firmes, mas que comungava do poder; muito embora,
tenha sido o único deputado da bancada dele a ter se posicionado contra o Golpe de 1964 ficando
do lado de João Goulart; era o único representante da Paraíba que estava na bancada
e a ter essa atitude. Era um homem de atitudes firmes, mas era um conservador.
Eu era uma menina de 6 à 7 anos
que ficava encantada com as bandeiras e com o discurso dele, tudo isso me
marcou na infância. Mas depois de grande eu me tornei uma pessoa compulsiva por
livros, na época Santa Rita só tinha uma biblioteca, que era “Américo Falcão”,
que funcionava onde hoje é a Secretaria de Educação, ela foi fundada por Flávio
Maroja que fez um prédio específico pra ela. Eu ia pra biblioteca que meu pai me
levava com medo que eu fosse atropelada, nessa época meu pai era fiscal da
prefeitura, mais adiante ficava a casa do meu primo Davi que tinha uma
excelente biblioteca. Quando eu esgotei os livros da biblioteca Américo Falcão
que eram compatíveis com minha idade meu pai me levou pra Casa do meu primo
Davi, que era proprietário embora fosse funcionário da Fábrica Tibiri em um
cargo burocrático por ser altamente competente. Na biblioteca dele eu tive
acesso a vários clássicos da nossa literatura. Davi conversava muito comigo e
dizia a papai que eu ia longe que valeria a pena estingar, investir. Quando
atingi a idade do Ginásio eu li a “Revolução Russa”, “O ABC do Comunismo”, “O
Estado e a Revolução”, meu pai achava que se não tivesse nada de sexo que despertasse
antes do tempo, as coisas da política eu poderia ler. Davi partilhou parte a
sua vida comigo principalmente sua visão comunista, pra minha mãe era melhor
ser um leproso do que um comunista, mesmo sendo ela prima de Davi, não via com
bons olhos minha aproximação com ele. Ela repetia muitas vezes que tinha medo
que eu me tornasse comunista. Então, a
resposta pra sua pergunta seria talvez as duas coisas, por eu saber da luta
dele (Davi) que fundou o sindicato juntamente com outros como Boca, Tomás. Ele
era comunista, era uma pessoa magnânima, pra você ter uma ideia a mesa dele ia
de ponta a ponta onde todo mundo comia, trouxe muita gente da praia de Fagundes
pra estudar aqui, uma delas foi minha prima Vera, e, a admiração ao estadista
Argemiro que reforçou com a minha vivência em sua terra, Campina Grande, tudo
isso influenciou mas não me deixei abalar pela questão ideológica. Apesar de
ter uma experiência diferente da dele, não deixo de admirá-lo como homem
público, homem íntegro e grande administrador.
SIÉLLYSSON
- Pelo que vejo a senhora era uma leitora assídua das bibliotecas...
MARTHA FALCÃO - Minha mãe
achava que eu não era uma menina normal, pois nas férias na praia em vez de
brincar ficava dentro de uma rede com uma danação de livros, certo dia me
levaram pra fazer uma consulta no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira até que
o médico Gutemberg Boteiro disse “sua filha não tem nada” . Havia casos de
loucuras na família de mamãe; ela achava que quem estudava demais terminava
assim (risos). Certa vez minha mãe veio com um compadre pra ver se eu estava
mesmo estudando na biblioteca do Estado num dia de chuva, achando que eu estava
no cinema namorando. Ela não acreditava que uma pessoa de 19 anos ficava socada
dentro de uma biblioteca lendo. (risos)
SIÉLLYSSON - Seu pai foi prefeito de Santa Rita por duas vezes em
campanhas dificílimas por ser oposição a UDN que dominava na política local. A
senhora tentou uma carreira política na eleição de 2004 e desistiu de continuar
na política. Por quê?
MARTHA FALCÃO - Eu
tive uma ínfera votação. (risos)
SIÉLLYSSON - O que a senhora tirou de lição dessa experiência?
MARTHA FALCÃO - Por
ter passado 20 anos numa comarca eu tive que organizar um fichário das pessoas
que atendi procurei por eles nesse momento. Eu achei que com o trabalho da
Comarca, do trabalho que eu desenvolvi no Lions Club e como educadora me
ajudaria. Elaborei ideias e pedi aos meus colegas professores, mas não havia
uma consciência de classe, a categoria de magistério é muito desunida. E meus
constituintes quando eu cheguei ou eles já tinham candidatos ou iam voltar no
clientelismo de uma candidata que tem lá que polarizava tudo e que vivia
distribuindo remédios porque tinha a prefeitura nas mãos. Então, eu não
encontrei guarida, mas ainda tive sem comprar voto nenhum, dado de
reconhecimento 172 votos. Dentro do meu clube têm companheiros que nem me deram
nem o seu voto isolado. Decepcionada eu achei que Egídio Madruga tinha razão,
ele disse que minha vez foi quando eu fazia campanha pra Everaldo, pra meu pai.
Eu era a única mulher a subir no palanque e discursar e que tinha um eleitorado
seguro. Era pra ter me candidatado ali, mas meu pai, por uma questão de ética,
dizia que era feio colocar a filha pra se candidatar e tomar a vez de outros. A
minha vez era ali, quando voltei era tarde demais.
SIÉLLYSSON
- Já que a senhora falou dessa questão de ser a única mulher a discursar nos
comícios do seu pai, Simone de Beauvoir diz que “foi uma mulher dentro de uma
sociedade de homens” como a senhora se ver dentro de uma sociedade dos homens
ou a sociedade já não é mais dos homens?
MARTHA FALCÃO - O mundo já não é mais dos homens há muito
tempo. Eu tenho um trabalho chamado “Mulheres em Macha” publicado na revista do
IHGP, nesse trabalho eu mostro a poetisa Safro (524 a. C.) ela era da classe
dominante na Grécia e seu pai deu a ela uma ilha; na Ilha de Lésbia ela fundou
uma escola educar para mulheres. Ela foi à primeira mulher a dizer que as
mulheres só chegariam ao mesmo patamar dos homens quando tivessem a mesma
educação dos homens, porque não era dada essa oportunidade. Quando eu voltei do
meu doutorado eu fiz questão de trabalhar com mulher. E o que me inspirou muito
foi o livro de Jofilly “Revolta e Revolução 50 anos depois” é o primeiro livro
da história da Paraíba que toca na questão do sufrágio mulher. As duas grandes
Guerras e a Revolução Russa que tiraram a mulher do ambiente do lar pra
desempenha as funções dos homens, muito embora essas mulheres não fossem as
analfabetas, as que eram continuaram analfabetas, mas eram mulheres da classe
média que estavam ocupando funções dos homens. Na UFPB criei muitas pesquisas
para o CNPq para que meus alunos pesquisassem a omissão das mulheres na
historiografia paraibana.
Simone de Beauvoir disse
que não se nasce mulher torna-se mulher. Eu creio que as mulheres tomaram
consciência de si no momento em que elas passam a conviver com os homens no
trabalho como foi na Revolução Industrial. Elas passam a se perceber tão capazes
quanto os homens, ela se viram como atores sociais fora do contexto do lar,
isso é no primeiro momento, depois a própria educação vai se expandindo. Em 1919
vem o movimento chefiado por Bertha Lutz que funda a Federação Brasileira para
o Progresso Feminino. Há muito tempo as mulheres conseguiram muitas vitórias. A
década de 1920 alavancou a industrialização e a mulher esteve presente nesses
movimentos e a consequência disso foi a mulher sindicalizada.(...) Ainda
existem crimes institucionalizados contra a mulher no mundo oriental nos dias
de hoje.
SIÉLLYSSON - Em 1999 assessorou o trabalho “Santa Rita: cidade das
águas”, em 2007 prefaciou o meu livro sobre o patrimônio de nossa cidade. Como
a senhora ver o cuidado municipal e estadual para como este conjunto
arquitetônico?
MARTHA FALCÃO - Acho lamentável que a gente tenha feito tanto
esforço, como você com seu livro, eu com um inventário sobre todo este
patrimônio, entreguei pra a Secretária de Cultura na época a secretária era
Solange; ela se interessou mas não recebeu apoio nenhum. A gente sabe que de lá
pra cá as pessoas quem ocuparam a secretaria, com raras exceções, mal sabem o
que é um projeto e nem sabem que o Ministério da Cultura e o Ministério das
Cidades têm tanto dinheiro. Infelizmente enquanto Santa Rita tiver essa
política de clientela, enquanto Santa Rita fizer das secretarias balcões de
negócios, enquanto o poder público dividir com os secretários das verbas
federais que isso é uma constante, - não
vou dá nomes aos bois nem vou generalizar - , enquanto Santa Rita tiver
gestores que não se cerquem da meninada que tem em Santa Rita jovem, formada.
Santa Rita é um celeiro de grandes pessoas. Eu tenho orgulho de dizer que por
mim passaram muitas pessoas de valores, você é um deles, Erick Meneses entre
outros. Não quero cometer injustiça, foram tantos e tantos. Enquanto os
gestores não se cercarem de pessoas capacitadas, enquanto eles se cercarem de
pessoas desonestas o destino do patrimônio é desaparecer.
SIÉLLYSSON - O autor do livro “Antes que amanheça” Reinaldo Arenas disse
“A pátria de um autor é a folha em branco”. Qual é a pátria de Martha Falcão?
MARTHA FALCÃO - Tolstói que é meu ícone ele disse
“Canta tua aldeia e serás universal”. A pátria da Martha Falcão será sempre o
local que um dia foi o povoado de Cumbe, ali é minha pátria, minha folha em
branco.
A senhora é advogada aposentada e professora da UFPB aposentada. A
senhora acha que a aposentadoria é essencial para desfrutar da família ou a
senhora gostaria de está produzindo dentro da academia?
MARTHA FALCÃO - Não.
Eu vim de um ambiente de muita falta de companheirismo. Passei 5 anos em
campina Grande e é realmente a cidade do trabalho. Aqui quando tem greve as
pessoas vão à praia. Greve é pra também se produzir, pra dar mais assistência
aos alunos era assim em Campina Grande, pressionam a reitoria pra abrirem a
biblioteca pra que os alunos tenham livros. Eu acho um crime inominável um
aluno ficar 4 meses é sem direito a pesquisa na biblioteca, foi o que aconteceu
aqui (UFPB) nem estavam em greve , mas a biblioteca parada. Para concluir: eu
senti falta das lições de vida que tive em Campina Grande. Mas aqui havia muito
desunião. Aqui questões partidárias influenciam nas relações e eu procurava
resguardar essas coisas até por respeito aos meus alunos. (...) Não sinto falta
da academia, meus alunos sempre me procuram.
SIÉLLYSSON - Em 2012 a senhora fez o Centenário do seu pai, Antônio
Teixeira, sabemos da importância dele na política local; no ano de 2014 a
senhora fez o centenário de sua mãe. O Objetivo era mostrar a importância dela
em sua vida?
MARTHA FALCÃO - Não. A
importância dela na vida dele. Acho que as mulheres são muito esquecidas. As
pessoas dizem que por trás de um grande homem há uma mulher, eu não acho,
acredito que do lado de um grande homem vem uma mulher. Senti-me muito honrada
por uma grande parte da sociedade estar ali, os amigos delas. Senti-me muito
honrada por relembrar uma grande mulher, tolerante que apesar de ser evangélica
muitas vezes acompanhava meu pai em várias cerimônias religiosas, caridosa. Na
rua em que ela morava havia um respeito muito grande entes os moradores, se
tratavam como uma família, ninguém se maltratava, se ofendia por questões
políticas como hoje em dia.
Como a senhora avalia a importância do seu pai para a cidade de Santa
Rita?
MARTHA FALCÃO - A
importância de meu pai na cidade foi por ter sido um homem que investiu muito
na saúde e amava o Bairro Popular, chamava de “meu cuscuz”. O Bairro Popular
amava tanto ele porque ele terraplanou, construiu os primeiros calçamentos ali,
trouxe a energia e construiu as primeiras escolas. Ele teve preocupação de
fazer convênio com os hospitais quando não tinha hospital público aqui quando
não tinha INANP. Fez a saúde ambulante, itinerária que saia pela zona rural com
médicos e dentistas, depois dele não houve mais. A preocupação de viajar para
falar com Jofly e pedir apoio a João
Goulart para não esquecer de Santa Rita na campanha de SANDU, e Santa Rita ganhou
o seu SANDU.
SIÉLLYSSON - A senhora não acha que falta um memorial em Santa Rita, um
espaço pra lembrar dessas pessoas, da história daqui?
MARTHA FALCÃO - Falta
sim. Eu fiz um projeto e entreguei a Mirtiz. Ela achou melhor achar comprar
aqueles quadros que enfeitam por lá (prefeitura). Eu levei todo material
fotográfico e eu tinha o apoio de Arimatéia Santana que ia doar as imagens dele
também. Nesse tempo Viégas ainda estava vivo e me disseram que Marcos Odilon
tinha comprado todo o acervo de Viégas.
SIÉLLYSSON - Que eu saiba não comprou, professora. O filho de Viégas
estava recentemente digitalizando as imagens e tinha um projeto de lançar em
Photo-book.
MARTHA FALCÃO - Ah,
que notícia boa. Ele vai vender e tornar e tornar público. Quem me falou que
compararia o acervo foi o próprio Marcos Odilon no IHGP. Lá de casa somente eu
falo com Marcos Odilon. Papai estava na Prefeitura foi buscar os vencimentos
dele quando Marcos Odilon agrediu meu pai, ofendendo de tudo o que não presta e
expulsou-o de lá. Papai já estava preocupado com a minha cirurgia, abalado
porque tinha resolvido cumprir uma promessa que fez a mulher dele, de enterrar
os restos mortais dela na praia, isso tudo abalou meu pai e dois dias depois das
desmoralizações meu pai enfartou.
SIÉLLYSSON - A senhora foi advogada, professora universitária, publicou
suas pesquisas, constitui família. Sente-se uma realizada ou ainda tem muita
coisa pela frente para fazer?
MARTHA FALCÃO - Se o
Nosso Senhor Jesus Cristo me permitir que eu ainda publique tudo o eu tenho
feito, se não for também não tem problema, sou uma mulher muito plena, tive uma
família muito boa e que me influenciaram. Depois tive o prazer de casar com um
homem que também tinha as virtudes do meu pai. (Ela se emociona ao falar do seu
pai) (...) Meu pai certa vez me disse: “você vai manter seus irmãos unidos e
vai zelar por minha memória pra que eu não seja esquecido. Prometa que não vai
me enterrar em Fagundes, eu quero ser enterrado em Santa Rita, que me deu muito
mais do que eu precisava.” (...) Eu pude comprar a casa dos meus pais, dos meus
avós, restaurei só não pude morar lá. É como ter um filho e dar pra outra
pessoa.(...)
A entrevista prestou?
SIÉLLYSSON - Foi plena!