sexta-feira, 2 de maio de 2014

O doutorando Fabiano Pereira fala sobre os movimentos sociais que abalaram o país no Café com Siéllysson

Entrevista - 28



Ele já foi locutor de Rádio, é um apaixonado pela música, há três anos toca na Banda Laboratório Muderno, grupo este que é um verdadeiro laboratório de sons que se misturam no samba-rock ao funk-soul. Graduado em Comunicação Social ele é professor e doutorando em Sociologia pela UFPB. Além disso, um pesquisador ligado nos movimentos sociais. Fabiano Pereira é mais um santarritense que faz a diferença.


SIÉLLYSSON - Em maio de 2013, antes das manifestações que sacudiram o Brasil, o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), em parceria com a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República realizou estudo sobre a juventude brasileira, utilizaram os mesmos modelos de perguntas do estudo "Meu Mundo", realizado pelas Nações Unidas, cerca de 11 mil pessoas de todo o país escolheram, entre 16 temas, quais são as prioridades de cada jovem entrevistado. Em primeiro lugar ficou a necessidade de uma educação de qualidade, com cerca de 85,2% e em último lugar ficou mais oportunidade de trabalho, com 46,9%. O ponto de partida das manifestações de 2013, melhores transportes, foi citado como prioridade por 40% dos jovens brasileiros. Como você analisa esses dados onde, em primeiro lugar, estaria a necessidade de educação de qualidade e, no entanto, ninguém fez movimento para isso? Por sua vez, em 2013 houveram grandes manifestações pela necessidade de transportes de qualidade com preços mais baixos.

FABIANO - Penso que uma coisa não está dissociada da outra. As reivindicações por melhorias nos transportes públicos têm implicações na vida das pessoas que vão além do mero fato da baixa dos preços dos transportes. Estamos falando do direito à cidade, da possibilidade de se poder usufruir de um sistema de transporte público que nos permita ir a shows, teatros, museus, festas de rua, ao parque, às praças, às escolas etc. e fazer uso disso tudo tanto para nosso lazer quanto para nossa formação.

Este direito nos é negado quando temos um preço abusivo das passagens. Assim, o que sobra para a população mais carente é apenas o direito de ir ao trabalho num ônibus lotado em percursos que levam, em muitos casos, horas pra ir e horas pra voltar. E o que resta para o trabalhador (ou o estudante) após uma jornada como esta? Muitas vezes, sentar em frente à televisão e depois ir dormir pra amanhã começar tudo novamente.

Certamente os protestos contra a má qualidade da educação em nosso país são mais localizados. É bem mais fácil vermos as pessoas reclamando, do que ir às ruas exigir mudanças. Mas isto tem a ver com o fato de termos deixado a educação chegar ao ponto que chegou e de, muitas vezes, não visualizarmos nela uma possibilidade de mudança e emancipação. Vivemos numa sociedade que valoriza o consumo (visto como objeto de distinção entre classes) e, para alguns, a maneira mais rápida de se chegar a consumir os objetos disponíveis no mercado não é através da educação, pois se demoraria muito. Não quero com isso dizer que a educação é o único meio possível para a emancipação e a mudança, mas sem ela tampouco daremos o primeiro passo.

SIÉLLYSSON - O PT teve seu início impulsionado pelas greves trabalhistas em 1978. Na década de 1980 os movimentos sociais se fortaleceram, vimos uma organização partidária de cunho operário organizado e protagonizando manifestações de massa como "Diretas Já" pelo fim da Ditadura. Depois da disputa eleitoral de 1989, na qual o PT estava representado por Lula, este perde as eleições para Fernando Collor. Logo após os escândalos de corrupção de Collor, os estudantes tomam as ruas exigindo o "impeachment". O PT sempre esteve marcado por grandes mobilizações, só que desta vez o PT está do outro lado da mesa. Você acredita que as manifestações de junho de 2013 e os protestos contra a Copa podem minar a campanha de reeleição de Dilma Rousseff?

FABIANO - As duas situações que você compara acima – o impeachment de Collor e a reeleição de Dilma – são bem distintas, muito embora coloque esta última numa situação mais ou menos parecida com a do primeiro. Acredito que há pessoas e grupos interessados em tirar proveito desse momento. Os protestos fazem parte da democracia, são legítimos. O que vimos nas manifestações de junho de 2003 foi um protesto que tomou corpo a nível nacional, impulsionado pelas redes sociais, e que diversas pautas de reivindicações acabaram sendo levadas para o debate, indo além das questões dos transportes público.

No entanto, muitos devem lembrar, vários grupos que participaram das manifestações  estavam interessados em criar uma situação de instabilidade política. Foi neste momento que diversos grupos radicais apareceram e mostraram a cara nas manifestações. Acredito que estamos vivendo um momento em que vemos surgir uma onda reacionária que, ao que parece, vem se organizando e ganhando espaço tanto na mídia quanto na mente de alguns.

Exemplos não faltam: a edição atual da Marcha da família com Deus, o crescente apoio de parte da população a uma nova intervenção militar etc. Sem falar no caso da jornalista Rachel Sheherazade e seus comentários reacionários e preconceituosos. Muitos encontraram nela uma espécie de porta-voz para os “verdadeiros problemas do Brasil”. Mas não só ela, há também figuras ligadas a música, intelectuais, colunistas de revistas e até mesmo, o que é pior, um grupo de políticos que tem crescido cada vez mais em Brasília trazendo como pauta questões retrógradas como, por exemplo, a propositura de uma sessão solene em homenagem ao golpe militar de 1964, encaminhada à Câmara Federal pelo Deputado Federal e ex-militar Jair Bolsonaro. Felizmente não foi aceito.

O que se viu logo após os protestos foi uma queda de popularidade da presidenta Dilma (apenas 27% avaliaram positivamente o seu governo na época, segundo pesquisa do Datafolha). Agora (abril de 2014) houve uma recuperação e a aprovação do governo Dilma é de 36 % (Datafolha). Este ano tem um diferencial: é ano de eleições, sem falar da insatisfação de muitos brasileiros com os gastos da copa. Tudo pode acontecer.

SIÉLLYSSON - O Movimento Passe Livre (MPL) teve sua fundação em 2005, ao ser impulsionado por movimentos sociais espontâneos pelo país, como Revolta do Buzu, ocorrida em Salvador, em 2003, e pelas Revoltas da Catraca, ocorridas em Florianópolis, em 2004 e 2005. O MPL se definiu como um movimento social autônomo, apartidário e independente em seu financiamento, inspirou-se nos "novos movimentos sociais". Durante 8 anos de trabalho se fortaleceu nas escolas secundaristas, contra o aumento da passagem de ônibus em 2006, 2010 e 2011. A manifestação de 2013 em São Paulo tomou uma proporção gigantesca se espalhando por todo país. Este ano, devido à morte do cinegrafista da Band, a mídia divulgou que há interesses por parte dos manifestantes de minar o governo federal. Como você valia tudo isso?

FABIANO - Primeiro temos que deixar claro que o Movimento Passe Livre não tem nada a ver com isso. O MPL se apresenta enquanto um movimento autônomo e apartidário que tem como objetivo discutir a questão da mobilidade urbana e o direito de ir e vir do cidadão que, nas condições atuais, fica comprometido devido aos altos preços cobrados pelas empresas de transporte público. Além disso, há também a questão da reivindicação de um sistema de transporte público verdadeiramente eficaz que ponha fim ao caos dos grandes centros urbanos.

Acredito que a morte do cinegrafista da Band foi um evento infeliz o qual caiu como uma luva àqueles interessados em criminalizar os movimentos que vinham ocorrendo. Não só isso, mas também de encontrar a todo custo, entre os culpados, políticos ligados a partidos de esquerda que estariam financiando grupos mais radicais de manifestantes. A mídia, é claro, entrou nessa, como não poderia deixar de ser.

Estamos vivendo um momento em que vemos surgir uma espécie de polarização ideológica que tem se tornado cada vez mais visível. E há por parte de um desses polos a intenção de criar situações de instabilidade e de crítica feroz ao governo da Presidenta Dilma. Isto ficou claro nas manifestações de 2013 e, atualmente, nas críticas que tem sido feitas contra a Copa de 2014. Tudo isso tem sido pensado de forma que atinja diretamente a Presidenta Dilma criando uma situação de instabilidade e de insegurança em relação ao seu governo, principalmente neste ano de 2014 que é ano de eleições.

SIÉLLYSSON - Jornais diziam coisas parecidas com esta citação "Foram os jovens que iniciaram os protestos no Brasil e motivaram outras parcelas da população a aderirem”, dizem especialistas. “Manifestantes não veem liderança única e afirmam que pauta diversa não enfraquece movimento" no início do manifesto, mas logo a Revista Veja trouxe um líder em suas folhas amarelas. O movimento realmente teve um líder?

FABIANO - Precisamos estar atentos ao que é veiculado pela mídia, tendo em mente que a verdade pode ser apenas um ponto de vista e que, muitas vezes, este ponto de vista, pregado enquanto verdade, pode agir no sentido de atender aos interesses de grupos midiáticos e políticos que aí estão.

As “jornadas de junho”, como ficou conhecido os protestos de junho de 2013, não teve um líder ou um centro de onde partiram as decisões. Tudo começou com o protesto do pessoal do Passe Livre, daí, com a repressão policial, as manifestações tomaram corpo nacional e várias pessoas foram às ruas. Mas não teve um líder e este fato é uma das principais características desta manifestação. Talvez algo inédito na história das manifestações aqui no Brasil.

Inclusive, muitas das pessoas e grupos que foram às ruas criticaram os partidos e as formas engessadas e verticais de tomada de decisão da política tradicional. Desta forma, vimos diversos movimentos nas ruas protestando, cada qual com suas bandeiras e pautas, mas nenhum deles à frente do protesto.

O que a Revista Veja fez foi eleger “um líder” com um discurso que se aproximasse do seu. Basta fazer uma busca rápida na internet e ver que esse cara, o Maycon Freitas, é pra lá de suspeito com frases machistas e com um discurso reacionário e fascista e foge do perfil de um líder de qualquer movimento que seja. Um cara que diz pérolas como: "Não somos de direita ou de esquerda, nem de centro", não deve ser levado a sério. Com se diz na linguagem do mundo virtual: esse cara é fake!

SIÉLLYSSON - Dizem que o povo brasileiro é um povo pacífico, parado, adormecido. As manifestações de junho de 2013 mostrou o contrário ou foi apenas um modismo?

FABIANO Se formos recorrer à história vamos perceber que não somos nem um pouco um povo pacífico. Revoltas populares como a de Palmares, Canudos e Cabanagem, só pra citar algumas, nos mostram que nossa história é marcada pela ação popular organizada contra as injustiças sociais cometidas por uma elite com base latifundiária, retrógrada e reacionária que tem origem no Brasil colônia até os dias atuais. Neste sentido mudamos muito pouco. É sempre esta mesma elite atrasada que se reveza no poder. E quando vemos alguém do povo e dos movimentos que ascende na política – como foi o caso de Lula – é possível ver algumas mudanças significativas, mas sem que altere a lógica do jogo.

Acho que precisamos voltar mais à história pra vermos que as mudanças significativas não virão por outra via que não seja a tomada do espaço público e a exigência de direitos básicos que nos são negados cotidianamente. Não podemos dizer que as manifestações de junho foram um modismo. Foram, penso, o início de algo maior do qual ainda ouviremos muito e que seu desdobramento ainda está pra acontecer.

SIÉLLYSSON - Como você avalia a atuação do movimento estudantil hoje na Paraíba?
FABIANO - O movimento estudantil é o tema da minha tese que ainda vai levar um tempo pra ficar pronta. Ainda estamos começando a trilhar um caminho que traga mais elementos que possam nos ajudar nesta resposta.

O que posso dizer agora é que o movimento estudantil (ME), não só aqui na Paraíba, mas em todo Brasil, vem passando por um momento de reestruturação de sua organização e ação política. É cada vez mais forte a crítica que se faz ao modelo de militância tradicional verticalizado e que tem à frente uma liderança centralizadora causando uma espécie de engessamento organizativo. Acredito que estamos passando por um momento de reconfiguração das práticas estudantis de intervenção no espaço público e que podem apontar para novos formatos de organização mais horizontais e menos centralizadores.

Com a redemocratização vimos que o ME se fragmentou e, desde então, as grandes manifestações estudantis cederam espaço para protestos mais localizados como: aumento das passagens, repressão nos campus das universidades, a má gerência de algum órgão da universidade (o restaurante universitário, por exemplo) etc. Talvez a última grande mobilização estudantil a nível nacional tenha sido os “Caras Pintadas”, exigindo o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor. De lá pra cá o ME perdeu um pouco de fôlego e isso acontece no Brasil todo, inclusive aqui na Paraíba. Por isso, penso que estamos passando por um momento de reestruturação do ME, um momento de reconfiguração de sua organização e ação política em que as novas tecnologias e as redes sociais têm um papel muito importante nesse processo.


SIÉLLYSSON - Você tem uma banda chamada "Laboratório Muderno". Qual é o estilo de vocês? Quais são as pretensões artísticas?

FABIANO - Pois é, a banda é, digamos, o lado lúdico da coisa, mas não menos importante (risos). Desde a minha adolescência sempre participei de grupos musicais, a música sempre fez parte da minha trajetória.

A Laboratório Muderno é o projeto atual do qual faço parte. Na verdade, não existe um estilo único, pois partimos de uma proposta tropicalista de fusão de tudo aquilo que nos é influência. Costumo dizer que o nosso som segue a linha samba-rock funk/soul, mas que não se limita a isso. Temos umas músicas que, se formos classificar, poderíamos chamar de brega e umas coisas com uma pegada mais reggae misturado com dub. Temos várias músicas autorais que já dariam pra gravar um cd. E nossa pretensão é essa: gravar nosso som e mostrar para o público.

FABIANO - Você é santa-ritense envolvido com música, com arte e mora em João Pessoa. Pelo acesso a cultura que há na capital, como você avalia o panorama cultural de Santa Rita?

Santa Rita é a cidade do futuro! Temos tudo que uma grande cidade precisa: água à vontade (as maiores fontes de água mineral estão em Santa Rita), a cultura da cana de açúcar e seus derivados como a cachaça; a cultura do abacaxi etc. etc.; um território enorme que caberia duas cidades João Pessoa dentro e ainda sobraria espaço (risos).

Temos também um potencial enorme para o turismo, possuímos três bens tombados pelo patrimônio histórico federal que são: a Capela do antigo Engenho Una (atual Engenho Nossa Senhora do Patrocínio), a Igreja de Nossa Senhora das Batalhas e a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Além disso, vários grupos populares de lapinha, coco de roda, poetas e repentistas. Temos também um movimento de rock e resistência no bairro de Tibiri.

O grande problema de Santa Rita não é seu povo, mas os governantes. Saímos recentemente das mãos de dois grupos que se revezaram no poder durante décadas. Todos eles ligados a uma elite oligárquica atrasada originária da exploração canavieira. Nos livramos destes e caímos nas mãos de um louco que depois de anos tentando se eleger, ao chegar ao poder, coloca toda a família na prefeitura e passa a governar para si próprio.

Portanto, nosso atraso é, primeiramente, um atraso político que se reflete em outros setores. No entanto, este atraso não impede que as manifestações artísticas e culturais existam na cidade. Elas existem, mas não circulam (ou circulam muito pouco) e assim não tomamos conhecimento. Talvez esta seja a principal diferença em relação ao que acontece, em termos culturais, em João Pessoa. Mesmo com todas as críticas que existem (e que são legítimas), o artista de João Pessoa tem mais espaço pra mostrar seu trabalho. Na capital existe uma lei municipal de incentivo a cultura, alguns (poucos) espaços para shows e apresentações, além da tentativa de incluir o artista local nos eventos promovidos pela prefeitura etc., coisas que não vemos em Santa Rita.

Tínhamos uma grande esperança com Valdir Lima à frente da secretaria de cultura. Mas o prefeito que governava para si próprio não deu espaço e nem autonomia para seus secretários. Acredito que com a experiência de Valdir poderíamos ter dado um grande salto na área da cultura em Santa Rita. Mas é preciso que a população se organize e passe a cobrar políticas públicas para a cultura na cidade. Como diz o provérbio: quem não pede Deus não ouve.

Sobre A Banda Laboratório Muderno:
Quem se interessar pode procurar nossa fanpage no Facebook (https://pt-br.facebook.com/LaboratorioMuderno).

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