Entrevista
13
Fim de tarde, aguardo meu
entrevistado para um café com sabor de história. Com cabelos úmidos, camisa
preta, jeans básico e um sorriso largo Azemar dos Santos Soares Júnior
fala sobre seu objeto de estudo no Doutorado em História, na capital do Brasil.
O cuidado com o corpo é o tema central da nossa entrevista de “Café
com Siéllysson”.
Siéllysson - Hoje, você trabalha com
Medicalização, Corpo e Educação. Como é essa ponte entre Educação e Saúde?
AZEMAR - Na verdade eu transito entre três áreas
medicalização do corpo, educação e medicina. Essa ideia faz parte de um projeto
do qual os médicos da Paraíba do começo do século XX tinham. A proposta de
orientar a infância para um corpo saudável, um corpo higiênico, por isso eles
passavam a investir na infância na escola. Os discursos médico são trazidos à
tona, os discursos eugênicos e higiênicos são trazidos para dentro da escola.
Então eles tinham uma coisa que era muito legal: investir na infância para que
se tornasse educada, higiênica, saudável e ainda levassem essas informações
para casa, para educar suas famílias da mesma forma. Era basicamente o projeto
dos médicos, especificamente do médico Flávio Maroja. E por isso eles recebiam
constantemente notícias da Capital, Rio de Janeiro, que eram propostas dos médicos
sanitaristas Renato Kehl, Belizaro Penna, e tantos outros médicos que trabalham
com essa proposta. Então, a gente transita nas três áreas. Por quê? Porque
nosso objeto de estudo é o corpo que vai ser medicalizado e este corpo está
dentro da escola, daí entender como a escola se posiciona diante disso. Quais
são as propostas pedagógicas? O que é a legislação Pedagógica? E o que o
Currículo diz a cerca disso? Então a gente une as três coisas: história,
Educação e Medicina.
SIÉLLYSSON – Essa relação Educação e
Saúde ela tem seu início mesmo no século XIX ou século XX?
AZEMAR - Elas têm início no século XIX. As
teorias higiênicas já existiam em meados do século XIX. E a gente tem todo um
processo de higienização da cidade, que não se efetiva, mas que as teorias já
existiam, a exemplo das teorias dos miavas, a ideia do “caldo pavoroso” do
pântano que vai criar uma calamidade pública, uma grande quantidade de doenças.
E tudo isso vai pesar na hora de ver esse projeto de higienização do século
XIX. Os médicos vão está à frente, porém é uma coisa muito sutil que só
funciona em época de epidemias (febre amarela, cólera, varíola) enfim, dessa
forma, além disso, muito dificilmente vai ser posto em prática. As práticas
especificamente as teorias do higienismo ela data do final do século XIX e
passa a ser ressignificada e começa novos estudos que vão ser aprofundados no
século XX.
SIÉLLYSSON – Você fez parte de um grupo
de Estudo “Sociedade e Cultura na Paraíba Oitocentista”.
Isso resultou num trabalho que se tornou o livro “Retalhos de
História: Culturas Políticas e Educação no Nordeste do Brasil”.
Nele você trabalhou a ideia de corpo...
AZEMAR – Trabalho nele com o corpo adoecido.
Primeiro foi muito bom ter trabalhado com esse grupo, porque discussões sobre a
Paraíba do século XIX foram e são feitas. É um grupo que já trouxe uma grande
contribuição para a historiografia paraibana. A gente tem lá (UFPB) já vários
livros publicados a partir do grupo. E especialmente no livro Retalhos
da História nós temos duas contribuições que vem do grupo, uma minha e
a outra da professora Serioja. Eu com o corpo adoecido e ela com a Paraíba que
clamava perante o governo central no Rio de Janeiro determinadas
reivindicações. Então, a gente traz essa contribuição pra o livro a gente chama
isso de Retalhos da História, essa arrumação, em encaixe e a
costura de temas que a gente organizou nesse livro, daí a proposta dos
retalhos, a proposta de trazer textos dos mais diversos temas. Tem lá: o corpo
adoecido; Paraíba do século XIX através de sua administração política; A Noite
da Amargura lá em Aracajú; A Aldeia do Jerú, também em Aracajú; um artigo sobre
Lampião e a gente tem o trabalho sobre o Corpo Cívico, que é de autoria de
Vânia Cristina da Silva, e por fim, agente tem o trabalho sobre a Grande
Guerra, como os livros didáticos trabalharam a Guerra do Paraguai também do
século XIX embora o objeto aí seja os livros didáticos.
SIÉLLYSSON – Embora seja especificamente
voltado para o século XIX o livro transita no século XIX para o século XX...
AZEMAR - Na verdade até antes, o livro traz
artigos do Brasil Colonial como é o caso “A Aldeia do Jerú” que é uma aldeia
indígena, que trabalha com catequese. A gente tem apenas esses dois artigos
sobre o século XIX. Todos os outros estão fora do século XIX. Na verdade, o que
veio do grupo são esses dois artigos, o restante é de pesquisadores que estão
fora do grupo, mas que por um elo de proximidade de debate metodológico a gente
acabou reunindo no livro.
SIÉLLYSSON – Você sempre trabalhou com a
ideia de Corpo?
AZEMAR – (risos) Sempre trabalhei com a ideia do
corpo em várias ideias diferentes.
SIÉLLYSSON – Eu me lembro da primeira vez
que te encontrei, foi numa apresentação sua num Congresso na UFPB e você estava
falando sobre “O corpo e os metros-sexuais”. Então ao ler o livro e encontrar
alguns personagens históricos como Lampião, por exemplo, com uma vaidade, uma
higiene mesmo dentro do sertão, mesmo dentro da Caatinga. Podemos dizer que ele
faz parte do mundo dos metros-sexuais?
AZEMAR - (risos) Não. A gente não pode fazer essa
relação por serem temas e períodos bastante distintos. Primeiro, a ideia de
Metro-sexual data do final do século XX. É um modelo de corpo, é um
comportamento, uma forma de se vestir, de se cuidar que foi ressignificada ao
longo tempo. Você traz do metro-sexual a ideia do cuidado com o corpo, o
cuidado com a aparência, de está sempre “atenado” com a moda, de saber o que
você vai vestir, vai está sempre ressignificando coisas que antigamente foram
deixadas de lado, mas que agora podem ser trazidas e atuar, como por exemplo,
moda, estilo, dependendo da subjetividade de cada um.
O que eu atribuiria a Lampião, como a diversos outros personagens daquele
período, eles estavam inseridos dentro de uma proposta higiênicas, eles tinham
cuidado com o corpo que era um pouco mais apurado que outras pessoas, visto
que, os corpos não eram muito higienizados na época (risos suaves) até o começo
do século XX. As pessoas que se cuidavam um pouco mais eram higiênicas, mas não
atribuir a ideia de Metro-sexual, porque podemos correr o risco de anacronismo.
SIÉLLYSSON – Hoje há uma higienização
maior, há uma conscientização na Educação nas cidades da Paraíba? Hoje seu
trabalho de pesquisa envolve algumas cidades paraibanas. Quais são?
AZEMAR - Atualmente trabalho com duas cidades
paraibanas, mas há uma proposta de serem três. Trabalho com a cidade de João
Pessoa, com Campina Grande, e há a possibilidade de introduzir Cajazeiras que
estou em negociação com minha orientadora. (risos) e se os documentos me
permitirem também.
Hoje existe sim, todo um cuidado, todo um ritual
desde o momento em que a gente acorda até o momento que vai dormir. Claro que,
tem muita gente que são meio sujinhas, que parecem não ter feito as pazes com a
água (brinca com a situação). Mas, a água limpa, purifica. Água limpa
aquilo que é surjo e que pode trazer doenças pra a gente. Todo mundo tem hoje
em dia esse cuidado de se cuidar, até porque as pessoas surjas, as pessoas que
não cuidam de si não são aceitas em sociedade. Então, você precisa está bem
consigo mesmo, está bem com seu corpo para ser aceito. Isso até mesmo dentro da
sua casa. Então, graças a Deus são mais higienizadas.
SIÉLLYSSON – Seu objeto de estudo a
graduação era já era o corpo?
AZEMAR - Sim. Comecei estudando o corpo, mas não
tinha uma especificidade. Porque o corpo é muito abrangente, e eu passei muito
tempo pra descobrir que existiam políticas do corpo, que você não faz somente
um estudo da história política sendo uma política partidária, você faz um estudo
da política do corpo. Então, o corpo está inserido na política, o corpo está
inserido em todos os setores da sociedade a partir do momento e, que você cuida
de si, que trata da sua beleza. Você não faz só pra si, você faz pra alguém,
você quer mostrar alguma coisa pra sociedade em que você está inserido. É tanto
que geralmente (repensa e continua) talvez hoje em dia nem tanto, mas até um
tempo atrás o que você vestia dizia qual era o seu grupo social, a que classe
social você pertencia. Hoje já não é tanto assim...
SIÉLLYSSON – Mas as marcas famosas, por
exemplo, não é uma forma também de dizer exatamente isso?
AZEMAR - Sim!!! Mas você acha que os famosos usam
aquela marca, mas existe hoje caso de pessoas que usam a calça identifica, com
o mesmo timbre (etiqueta) da marca, mas é falsa...
SIÉLLYSSON – Mas a roupa ainda se ainda
se torna um mecanismo de destaque social?
AZEMAR - Sim, sim... Positivo e de destaque
social, sem dúvida.
(Retorna o início do assunto sobre seu objeto
de graduação) Então, eu passei muito tempo tentando entender
especificamente qual a trajetória do corpo que eu deveria seguir. E rumei pela
história da beleza, pelo cuidado do corpo. Peguei um período que era a Revista O
Cruzeiro e pude entender ali como um determinado grupo da elite
cuidada de si. Saindo da graduação, entrei no Mestrado continuei com a história
da beleza, só que um viés um pouco mais verticalizado que é tratando da higiene
que não deixa de ser a história da beleza. A partir do momento em que você
cuida do seu corpo, você cuida da beleza também. Está inserido nesse projeto.
Tratei no Mestrado do processo de higienização e cuidado do corpo na cidade da Parahyba,
que hoje é João Pessoa e no Doutorado continuo com esse projeto só que agora
voltado pra Escola. Enquanto no Mestrado eu busquei entender como é que os
médicos tentavam moldar essa população que aspirava ser higiênicas nos jornais
e nas revistas. Agora a gente tenta entender como isso se dá dentro da Escola.
Siéllysson – E por que a cidade de Santa
Rita não entrou?
AZEMAR - Porque Santa Rita não tinha uma
documentação forte que me desse esse alicerce forte para época, a gente não
tem. Algumas escolas já existiam, no meu recorte para o Doutorado vai de 1913 a
1945, com certeza as escolas de Santa Rita já existiam, mas a gente não tem
essa documentação. A gente não tem as cadernetas método-padagógicas como a
gente encontra nas escolas de João Pessoa, como na Escola de Nossa. S. das
Neves, o Pio X, a Escola Normal, ou em Campina Grande no Alfredo Dantas. Embora
Santa Rita seja minha terra natal e estejam aqui quase todas as pessoas que eu
amo, a gente não teve como encaixar a cidade de Santa Rita na pesquisa...
SIÉLLYSSON – Eu também encontrei
dificuldades para trabalhar com a documentação de Santa Rita no Mestrado...
AZEMAR - No Mestrado até que encontrei algumas
notícias sobre Santa Rita, mas na verdade era uma notícia de um padre
reivindicando alguma coisa e uma notícia de epidemia, de varíola, por exemplo.
E sempre aparecia a reivindicação de um padre, porque o jornal era católico que
era A Imprensa. Em outros jornais como O Norte,
que já existia na época, e A União dificilmente existia alguma
notícia sobre Santa Rita.
SIÉLLYSSON – Uma pergunta que eu faço a
todos: (Rimos juntos) Qual a importância da cidade de
Santa Rita para você?
AZEMAR - Eu tenho uma identidade que poderia ser
mais forte com Santa Rita. Até outro dia conversando com o prefeito Marcos
Odilon, que concordo com ele, quando ele diz que Santa Rita é uma cidade é uma
cidade muito linda. De fato é! Especificamente porque é nessa cidade que a
gente enramou as cordas do coração. Onde está a família da gente, é onde a
gente foi criado, onde a gente se entendeu por gente. Foi aqui que criamos
sonhos, foi aqui que a gente comemorou as vitórias. Então Santa Rita tem esse
elo muito forte. Eu aprendi a amar a cidade a partir dessa corda do coração
todos os meus sonhos foram acessados aqui.
A minha primeira professora foi minha mãe, então
ela me ensinou que primeiro a gente tem que fazer o “dever de casa”, que a gente
tem que cuidar primeiro da nossa casa. E Santa Rita é nossa casa. Embora as
minhas pesquisas não incluam Santa Rita, não tenham sombra de dúvida é a cidade
que eu quero morar por muito tempo.
SIÉLLYSSON – Que mensagem você deixaria
para as pessoas que leem o blog?
AZEMAR - Primeiro, que ler é sempre muito bom e
ler coisas boas é melhor ainda, então da mesma forma que a comida alimenta
nosso corpo, as palavras alimentam nossa alma. Então, sempre que a gente
encontrar pessoas disponíveis para falar um pouco de si, para revelar sua
sensibilidade, tudo isso, alimenta nossa alma, nosso espírito. Que as palavras
publicadas nesse blog alimentem o espírito, o coração e os preencham de luz e
amor.
SIÉLLYSSON – Foi lindo, viu!(Risos de ambos. Comento que o café esfriou e desligo a câmara)
Entrevista publicada em 30 março 2012 às 10:28 (sexta-feira)
0 comentários:
Postar um comentário