Ele
é referência ao se tratar de trabalhos sociais com jovens em situação de risco,
agora atua no mundo LGBT tornando-se popularmente o "Assistente Social do
Mundo Gay". O entrevistado desta semana de "Café com
Siéllysson" é Renildo
Moraes
Já tomei café com Renildo
Morais, mais um santarritense que faz a diferença, em diversas situações e
lugares, na minha casa, nos shoppings de João Pessoa, nos Cafés de Buenos Aires
e em Montevidéu. Muitos assuntos já brotaram por horas, entretanto este será o
café mais polêmico que vamos degustar partilhando nossa conversa com vocês,
leitores.
SIÉLLYSSON - Qual sua formação acadêmica?
RENILDO - Sou Assistente Social, formado pela
UFPB em 2006 e especialista em Adolescência e Juventude no mundo contemporâneo,
pela FAJE-BH em 2009 e tive mais uma Especialista em Gestão Pública Municipal
pela UFPB em 2011.
SIÉLLYSSON – Hoje você é Assistente
Social do Centro de Referência dos Direitos do público LGBT e Combate a
Homofobia no estado da Paraíba. Há receio das pessoas que precisam de ajuda
seja psicológica, jurídica ou social na hora de buscar esse serviço que o
estado oferece gratuitamente? Mesmo com todo debate social, principalmente na
mídia sobre a homossexualidade, as pessoas ainda têm receio de assumir a
sexualidade?
RENILDO - Na
perspectiva de iniciamos o diálogo sobre trabalho desenvolvido pelo Centro de
Referência LGBT e Direitos Sexuais, se faz necessários compreendemos a sopa de
letrinhas LGBT que é composta de quatro grupos que vivencia o preconceito de
forma diferenciada.
L – Representando as Lésbicas. As lésbicas sentem
desejos sexuais por outras mulheres, vivenciam romances e relações sexuais com
outras mulheres. Não existe uma causa definida para o lesbianismo, assim como
não se tem uma causa definida para qualquer tipo de orientação sexual.
G – Gay: é um termo de origem recente inglesa que
é utilizado normalmente para se designar o indivíduo, (homem), homossexual.
B – BISSEXUAL - A bissexualidade consiste na
atração física e/ou emocional por pessoas tanto do mesmo sexo quanto do oposto,
com níveis variantes de interesse por cada um, e à identidade correspondente a
esta orientação sexual.
T – TRANSEXUAL - Transexualidade é a condição
considerada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como um tipo de transtorno
de identidade de gênero. Refere-se à condição do indivíduo que possui uma
identidade de gênero diferente a designado no nascimento, tendo o desejo de
viver e ser aceito como sendo do sexo oposto. Usualmente os homens e a mulheres
transexuais apresentam uma sensação de desconforto ou impropriedade de seu
próprio sexo anatômico, desejam fazer uma transição de seu sexo de nascimento
para o sexo oposto (sexo-alvo) com alguma ajuda médica (terapia de re-atribuição
de gênero) para seu corpo. A explicação estereotipada é de "uma mulher
presa em um corpo masculino" ou vice-versa, ainda que muitos membros da
comunidade transexual, assim como pessoas de fora da comunidade, rejeitem esta
formulação.
T – O outro “T” representa a TRAVESTIR - O
travestismo está associado ao ato ou efeito de travestir-se, ou seja, de
vestir-se ou disfarçar-se com roupas do sexo oposto.
O termo atual oficialmente usado para a
diversidade no Brasil é LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais e transgêneros). A alteração do termo GLBT em favor de LGBT foi
aprovada na 1ª Conferência Nacional GLBT realizada em Brasília no período de 5
e 8 de junho de 2008. A mudança de nomenclatura foi realizada a fim de
valorizar as lésbicas no contexto da diversidade sexual e também de aproximar o
termo brasileiro com o termo predominante em várias outras culturas. Em suma,
seria melhor defini-los como Movimento dos Não-Heterossexuais o que seria um
meio de exclusão, que não tem nada a ver com a proposta que é justamente de
inclusão de todos que se identificam com a causa, direta ou indiretamente.
O receito
está muito presente na hora de buscar ajuda, como podemos identificar nos
muitos usuários e usuárias que diariamente chegam ao Centro de Referencia LGBT,
e falam que vieram conhecer, mas precisam saber como funciona o serviço, pois
uma amiga vivencia o medo, ódio ou repulsa da própria homossexualidade.
Esta atitude de
medo, ódio ou repulsa da própria homossexualidade é considerada a homofobia
internalizada é uma derivação da orientação sexual, tendo como diferença
principal o fato de não ser reconhecida pelo próprio indivíduo, exteriorizando-se
através de outras formas, enquanto nesta o indivíduo toma consciência de sua
orientação e insatisfeito, deseja a alteração ou readequação desta a sua
própria auto-imagem.
Essa atitude se
refere ao medo da discriminação social que os homossexuais são submetidos no
cotidiano da sociedade brasileiro, que se apresenta como na violência física,
psicológica, moral e simbólica.
SIÉLLYSSON – São Paulo está na Mídia como
um dos estados brasileiros com maior número de agressões e crimes homofóbicos.
Diante da realidade nacional você considera a Paraíba um estado homofóbico?
RENILDO - Sim, nos últimos dois anos a Paraíba tem aumentado em
cerca de 100% os crimes homofóbicos, em 2010 foram 10 assassinatos e 2011 foram
21 assassinatos. Pois segundo o Movimento do Espírito Lilás (MEL), que
faz o controle dos casos de homicídios por motivo de orientação sexual, foram
assassinados 21 pessoas na Paraíba em 2011 por crimes que tiveram motivação
homofóbica. O MEL é uma organização não governamental. Em pouco mais de uma
década, entre 1990 e 2011, o MEL registrou 128 mortes de LGBTs no estado. Em
2010, o grupo contabilizou onze mortes deste tipo.
Conforme o levantamento, entre as vítimas do ano
passado estão 11 gays, seis travestis ou transexuais, três lésbicas e um bissexual.
Os crimes aconteceram nos municípios de João Pessoa, Campina Grande, Queimadas,
Sousa, Cabedelo, Bananeiras, Santa Rita e Patos. O relatório foi elaborado em
parceria com a Comissão da Diversidade Sexual e Direito Homoafetivo da Ordem
dos Advogados do Brasil – seccional Paraíba.
O delegado Marcelo Falcone, que trabalhou cerca
de dois anos na Delegacia Especializada em Crimes Homofóbicos em João Pessoa,
explicou que os crimes contra LGBTs são mais bárbaros. Como ele mesmo disse
numa entrevista que "Os assassinos querem punir as pessoas pela orientação
sexual. É possível observar requinte de crueldade”.
SIÉLLYSSON – Esse comportamento
homofóbico da Paraíba é um caso isolado do Nordeste?
RENILDO - Não. De
acordo com Mapa de assassinados dos homossexuais brasileiro em 2010, apresento
pelo GGB – Grupo Gay da Bahia, revela que o Nordeste é região mais homofóbica:
abriga 30% da população brasileira e registrou 43% dos LGBT assassinados.
27% destes crimes letais ocorreram no Sudeste, 9% no Sul, 10% no
Centro-Oeste, 10% no Norte. O risco de um homossexual do Nordeste ser
assassinado é aproximadamente 80% mais elevado do que no sul/sudeste! 36%
destes homicídios foram cometidos nas capitais, 64% nas cidades do
interior.
Quando questionaram a presença da homofobia nos
crimes contra homossexuais, o Prof.Luiz Mott do GGB argumentou que: “quando se
divulgam estatísticas de crimes contra mulheres, negros, índios, não se
questiona se foram ou não crimes motivados pelo ódio, sem falar na sub
notificação dos “homicídios”. Nos crimes contra gays e travestis, mesmo quando
há suspeita do envolvimento com drogas e prostituição, a vulnerabilidade dos
homossexuais e a homofobia cultural e institucional justificam sua qualificação
como crimes de ódio. É a homofobia que empurra as travestis para a prostituição
e para a margens da sociedade. A certeza da impunidade e o estereótipo do gay
como fraco, indefeso, estimulam a ação dos assassinos.”
SIÉLLYSSON – Dentro do mundo LGBT
qual é o público que sofrem mais com a discriminação? E por quê?
As TRAVESTIS são as que
mais sofrem e sofrem discriminação e preconceito múltiplo. Sua imagem ambígua,
uma mistura do que se convencionou chamar de características masculinas e
femininas, assusta grande parte das pessoas por não ser “permeável” à
inteligibilidade da cultura.
SIÉLLYSSON – E a situação delas na
escola?
RENILDO - A escola é um espaço discriminação
diária, para fugir do sofrimento, muitas vezes a saída é abandonar os estudos.
É raríssimo encontrar um travesti no ensino médio. A escola não aceita, a
prostituição acaba se tornando praticamente a única opção de sobrevivência, a
família expulsa de casa... Como diria as maiorias das travesti que são
atendidas pelo Serviço Social do Centro de Referencia LGBT, as travestis são
“expulsas da vida”. Elas relatam, ainda, que muitas travestis de sua época já
morreram ou estão doentes.
SIÉLLYSSON – Percebe-se que dentro do
mundo LGBT a prostituição é maior com as travestis?
RENILDO - Sim,
para ilustrar essa pergunta usarei a frase da ativista Gel Laverna,
presidente da Associação da Travesti e Transexuais da Paraíba. “Se não for a
salão de beleza, clínica de estética ou oficina de corte e costura a travesti
só consegue trabalho na prostituição”. A afirmação parece demonstrar que as
travestis são bem aceitas entre as mulheres. Porém, o mesmo não se pode dizer
em relação aos homens que as usam sexualmente e que geralmente as repudiam, se
encontradas casualmente num ambiente socialmente comum ou na rua. E esse
repúdio se dá evidentemente em razão do medo que aquele homem tem de ser
censurado pelas pessoas de sua vida cotidiana.
O preconceito não é exatamente porque possa ser homossexual, mas sim porque usa
roupas e formas femininas. Não é exatamente uma discriminação às mulheres, mas
ao novo gênero sexual daquele ser travestido. Os meninos gays são alvos muitas
vezes de gozações, mas não sofrem ostensiva discriminação tal como acontece com
os travestidos. O dia a dia nos mostra que há preconceito inclusive entre os
diversos grupos de diferentes. E essa mentalidade preconceituosa e
discriminatória precisa ser mudada primeiramente nestes. As travestis que, por
necessidade de sobrevivência, aderiram à prostituição são normalmente
procuradas por homens heterossexuais e bissexuais e também por mulheres.
SIÉLLYSSON – A visão que a sociedade tem
sobre os gays é de que a maioria seja promíscua. Por que a maior parte dos
relacionamentos homo-afetivos é de curta duração? É algo cultural no mundo LGBT
ou faz parte da condição da sociedade moderna?
RENILDO - Para responder tais indagações é necessário olhar o mundo de forma
ampla, estamos vivendo na contemporaneidade, onde os conceitos de bipolaridade
entre o bem e mal, branco e preto, fraco e forte, estão presentes nas pessoas. Como
também o conceito de tudo é para sempre. Já dizia Renato Russo na música Por
Enquanto, “O pra sempre, sempre acaba”. O conceito de experimentar está
presente no cotidiano das pessoas, homem, mulheres, heterossexuais,
homossexuais e bissexuais.
Hoje há quem diga que gay é promíscuo. Mas tenho certeza que se eu perguntar a
cada pessoa o significado desta palavra não terá a mesma resposta, até porque,
esta palavra tem como origem o latim, e como tudo em nossa vida evolui esta
palavra também evoluiu e seu significado se dissipou por todo o nosso vasto
mundo de ideias e palavras. Promíscuo é aquela pessoa de baixo nível, confusa
de suas ideias, que ultrapassa regras e valores da sociedade. Não acho que os
gays sejam promíscuos, já que homens e mulheres héteros também saem
simplesmente para transar ou se satisfazer sexualmente. Bingo! Isso é verdade!
Então por que será que hoje o gay é visto como promíscuo?
Aliás,
o gay é visto muito mais além de promíscuo, é visto também como infiel e na
verdade ele é mesmo! Lembra a questão de escolha? A infidelidade faz parte de
uma escolha. A infidelidade não significa, necessariamente, falta de amor ou de
tesão. Os motivos que levam alguém a trair podem ser os mais evidentes como
também, os mais íntimos e aparentemente inexplicáveis. A traição esta atrelada
a promiscuidade, até porque ela é uma característica do promíscuo, não acham?
Acho
um pouco errado julgar a ação de um gay por todos, ou seja, se um é promíscuo,
não posso dizer que todos são, assim que não posso dizer que todos são infiéis
e assim por diante. Héteros são promíscuos também, existem muito. E infiéis
então? Nem se fale, mas sabe o que acontece? O preconceito é tão intenso que
automaticamente as pessoas fingem não ver o que a sociedade acha o certo e
acaba por julgar uma classe que já é julgada constantemente, enfim, eu só
lamento. Mas existem sim, gays promíscuos, como existem gays que só querem ser
normais, querem ter um relacionamento, querem só viver.
SIÉLLYSSON - Que mensagem você
deixaria para os leitores do “Café com Siéllysson”?
RENILDO - Viver faz parte, ter seus momentos de
loucura, confusão é, sem dúvida, ótimo! Sair por ai conhecer pessoas, ficar com
esse, ou aquele é legal, mas posso te garantir uma coisa: Não tem coisa melhor,
mais gratificante e maravilhosa é você estar com uma pessoa que você goste e
que goste de você, uma pessoa que te satisfaça e que você consiga satisfazer.
A entrevista foi publicada em 19/fev./2012 às 19:28 (domingo)
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