terça-feira, 11 de março de 2014

Entrevista do teatrólogo Ivonaldo Rodrigues para o Café com Siéllysson

Entrevista 27


Ele não recebeu nenhum título de cidadão santarritense, mas fez em 28 anos pela cidade o que muitos políticos não realizaram uma vida inteira. Ele usou o talento cênico como a arma contra a violência e contra a dura realidade da periferia, modificou a sua vivência na cidade que o destino escolheu para ele, assim como moldou a vida de muitos jovens que encontraram no teatro o caminho da felicidade e do estudo. Professor de história, apaixonada pela arte, sentimento que o fez construir em sua casa um teatro, criou um grupo cênico Taty, levou o nome da cidade de Santa Rita para a imprensa e para muitas localidades paraibanas com a peça “A Paixão de Cristo”. Homem simples, talentoso, reflexivo, ousado, nasceu para nos ensinar de que é possível realizar sonhos. Aprenda um pouco mais sobre o teatrólogo

Ivonaldo Rodrigues

SIÉLLYSSON – Você quando você começou atuar?

IVONALDO - Eu tinha frequentado circo lá no interior, mas era algo modesto; certa vez eu vim pra casa de uma tia que morava em Bayeux e onde hoje é a Estação ferroviária de Bayeux havia um pátio grande e nesse pátio tinha um circo, minha tia morava em Tambaí, aí meu primo disse “Ivonado, vamos acompanhar o palhaço” e fomos. O palhaço com toda aquela propagando de rua, ao término o rapaz nos carimbou pra assistirmos o espetáculo à noite, coincidentemente naquela noite o espetáculo teatral era “A história dos Reis dos Reis”, a história de Jesus Cristo. Antigamente qualquer circo que tivesse influência no meio do povo tinha que ter um teatro. Aquilo me deixou louco lá no poleiro (bancos), o palco era giratório, ao término de uma cena, já aparecia outra cena, um trabalho lindo. A partir dali o encanto tomou conta de mim.

SIÉLLYSSON - Você tinha quantos anos na época?

IVONALDO - Tinha de 8 pra 9 anos. É tanto que no outro ano eu estava estreando a minha peça teatral lá no interior. Acho que tudo começou dali, de ter deixado ser tocado e tocar ao mesmo tempo... (risos).. Meio louco, né cara?

SIÉLLYSSON - Hoje você é pioneiro em na cidade de Santa Rita com seu teatro que está completando 20 anos, digo, 20 anos de casa de espetáculo, porque no movimento teatral você já vem atuando há 28 anos. Agora lhe pergunto: por que escolheu Santa Rita para isso? Ou foi a cidade que lhe escolheu para você abrir sua casa de espetáculo?

IVONALDO - Eu acho que foi Santa Rita que me escolheu, talvez tenha um quê de destino pra que as coisas venham a acontecer. Quando eu morava em Bayeux, na casa da minha tia, (pausa para as lembranças) Eu não sei por que uma cidade tão bela quanto Santa Rita carrega um estigma tão grande em termo de violência como Santa Rita tem carregado pelo menos nesses 50 anos. Eu digo com 50 anos porque estou com 55 e já conheci a cidade com essa fama. Eu tinha medo de Santa Rita. Eu morava em Bayeux e assim como hoje as pessoas já falavam mal de Santa Rita, naquela época eu ouvia um programa chamado “Dramas e Comédias da Cidade” era um programa de rádio que falava da violência da Paraíba como um todo, Santa Rita estava sempre presente, e na minha época eu ia crescendo ouvindo aquilo tudo, isso me deixava apavorado. Era uma fase sensível que não me fazia compreender a violência, e dizia “nunca na minha vida eu vou morar em Santa Rita”, (ressalva:) mas isso na minha fase de criança. O tempo passa, morando em João Pessoa me inscrevo na CEAP para casas populares da Paraíba, eu fiz inscrição pra Mangabeira e quando recebo a chave da minha casa me disseram: “você vai morar em Santa Rita, Tibiri II”, eu fiquei pensando, mas não tinha alternativa, fui morar em Tibiri. Quando vou vivendo, me deparando com a realidade com os problemas sociais que tínhamos lá em Tibiri II, faltando tudo: água, energia, calçamento. Eu disse: “Poxa! Tenho que fazer alguma coisa pra o engrandecimento disso aqui. Pelo menos naquilo que por ventura eu saiba fazer”, pensei no que eu sabia fazer... era teatro. Então envolvi o teatro e a comunidade, sempre falo isso, não por orgulho, mas por satisfação imensa que pela primeira vez, - que eu tenho conhecimento - , Santa Rita foi aos jornais por uma coisa boa que era o teatro que surgia em Tibiri II. Isso me alegrou demais. Hoje tenho um carinho todo especial por Santa Rita, ela me abriu os braços e me acolheu e essa minha dedicação, ao pouco que faço em termo de cultura em Santa Rita é como se fosse um “muito obrigado” por esse abraço, por esse carinho que a cidade teve por mim e por minha família.
Hoje não me vejo morando em outra cidade. É tanto que minha mulher durante um tempo queria sair pra João Pessoa, pra as crianças estudarem melhor, mas eu nunca quis; quis mudar sim quando teve um período de chuva muito grande e Tibiri virou uma lagoa e minha casa estava no meio da lagoa, tive que passar 8 meses fora, fui a contragosto. Hoje amo Tibiri, amo Santa Rita... Tem coisa que na vida parece que está reservado pra você viver e se torna prazeroso quando você se depara com a realidade e você diz “é esta, eu tenho que vencer, eu tenho que modificar o ambiente em que estou”. Todo ser humano tem essa função social e de tornar menos dolorosa a realidade sua e de quem está ao seu redor.



SIÉLLYSSON - você diz que a cidade de Santa Rita abriu os braços e lhe acolheu. Você tem 20 anos de casa de espetáculo e 28 de teatro em Santa Rita. Você leva o nome da cidade pra imprensa, Santa Rita passa a ser vista com bons olhos pelo seu trabalho. Você já recebeu apoio do governo municipal?

IVONALDO - Hoje vejo meu trabalho de uma forma mais séria, não que no início não fosse sério, sempre foi sério... O bem que fiz a comunidade em que estou inserido durante esses 28 anos foi algo gratificante. Durante esses 28 anos nenhum dos que estiveram com a gente se perderam, isso pra mim é uma felicidade imensa. Temos pessoas em vários segmentos profissionais. Alguns chegaram ao teatro sem rumo, hoje muitos deles são formados; foi construído um falecesse e eles acreditaram em si, então, eu sempre digo que nunca precisei, entre aspas, porque todo mundo precisa, agora eu nunca precisei que o poder público chegasse e me bancasse em alguma coisa pra eu fazer algo acontecer, pra isso eu tive e tenho meu trabalho e minha força que Deus me deu e minha inteligência que Ele continua me dando. Sempre trabalhei, minha esposa sempre trabalhou; só que precisava e ainda preciso de uma ajuda pra que este trabalho dê frutos mais positivos do que já vem dando. A gente que trabalha com a arte, precisa está sempre atinado, ler muito...

SIÉLLYSSON - até por que se têm gastos grandes com figurino...

IVONALDO - Sim. Pra você ter uma noção temos 28 anos de paixão de Cristo, mesmo que façamos de acordo com nossa realidade mas sempre estamos trazendo algo novo, é a história do sagrado, mas relacionada à plasticidade, senão, não seria arte seria igreja, fé. Temos uma proposta além do social e do religioso a proposta artística, o belo que podemos tirar de tudo isso. Então, estamos constantemente necessitado de investimentos, por isso eu disse e eles (aos atores) “se vocês querem continuar vão ter que bancar os personagens de vocês, porque não tenho mais condições. Durante muito tempo tirei do meu.” Isso gerou algumas situações desagradáveis no meu relacionamento, porque tirava do nosso orçamento familiar pra produzir teatro. (com ar de riso ele me diz) Quando somos jovens não pensamos muito, né? Hoje já com a idade madura eu penso: “Poxa, tanta coisa deixei de fazer pra minha família pra fazer pela arte.” (fixa os olhos em mim e diz com firmeza) Não me arrependo também não, porque isso me trouxe satisfação, mas poderia ter sido diferente esses 28 anos. Não tivemos apoio necessário, mas eu vejo de forma ampliada. Eu tenho consciência que a cultura, a arte no município não se resume a arte que e faço: teatro. Temos movimentos culturais maravilhosos aqui em Santa Rita, pessoas e movimentos que precisam de um olhar diferente, jovens que poderiam ter sido “salvos” se uma oportunidade tivesse sido oferecida. Por que não esta oportunidade via teatro, via música ou outro segmento cultural qualquer, já que a cultura é tão atuante dentro do município, quando encontramos tantos valores nas artes? Se você parar pra observar nós temos um jardim aqui, só que é um jardim que nasce viçoso mas não tem água e sol pra dar construção a esta vida cultural que está surgindo.
Então, assim como o movimento cultural que acompanho que é o teatro, nós tivemos muito pouco reconhecimento de quem estava ou quem está no poder. Hoje temos (ele trata aqui do seu grupo cênico) os dois maiores eventos; Paixão de Cristo com 28 anos e o Festival de teatro com 20 anos, são movimentos que estão no conhecimento lá fora, as pessoas sabem o que está sendo feito em Tibiri, em Santa Rita. Mesmo assim, tivemos momentos dificílimos para que pudéssemos dá continuidade a esses projetos.
Eu nunca exigi valores, mas tivemos gestores que quando nos deu algo, era como se fosse um “Cale a boca” dá por dar ou prometia e endividávamos e nunca chegava a ajuda e ficávamos com dívidas no comércio devido a produção da Paixão de Cristo e eu tive que saldar depois com meus recursos. Tudo isso me deixou triste porque eu sei que estava construindo algo bom que a comunidade estava acreditando, que lá fora estão vendo, o nome do município indo pra os jornais, indo pra outras cidades pra onde levamos a Paixão de Cristo, fizemos mais de 10 cidades interioranas na Paraíba. Em algumas cidades deixamos de ir, porque os jovens de lá após ver nosso trabalho passavam a produzir em suas cidades. Isso é um prazer muito grande! A cidade ficava evidenciada.
Veja, durante muito tempo em Santa Rita se pensou que o grupo Taty era de João Pessoa, mas era ali, no quintal de Tibiri, falta de que? Divulgação do município. Eu acho que se precisa urgentemente olhar com outros olhos pra os movimentos culturais de Santa Rita oriundos das periferias, onde a maioria são jovens que precisam de credibilidade, pessoas que estão em período de formação e construção da sua personalidade, muitas vezes procuram a cultura pra se moldar e não encontram. Acho que tanto este gestor quando qualquer outro que venha pela frente em nosso município tem e terá uma obrigação maior do que cidades como João Pessoa e Campina Grande, pelo atraso em que vivemos. Não dá pra se compreender uma cidade com o porte de Santa Rita, a 3ª do estado e até em território e ficar nesse atraso cultural.



SIÉLLYSSON - depois de ter edificado um teatro, hoje com 20 anos de construção, um trabalho social impecável dentro da arte comunitária, você se sente realizado? Você tem a sensação de dever cumprido?

IVONALDO - Ainda não. Quando dizemos que estamos realizados, então, não temos mais nada a oferecer, morreremos. Temos que está sempre acreditando em possibilidades maiores. Bom... Foi feito? Foi. Mas, ainda se tem muito que fazer, ou por mim ou por outros, mas tem. No meu caso, quando eu comecei a fazer teatro, em Tibiri, eu fiz uma pesquisa na época na comunidade e dos dez professores de educação artística que eu entrevistei nenhum deles conhecia teatro ou teria ido assistir a uma peça teatral na vida. Olhe que eram pessoas ligadas ao meio da arte. Hoje Tibiri cresceu de tal modo que as pessoas saem de Tibiri pra ver teatro em João Pessoa, isso é um progresso muito grande, o teatro de tornou conhecido, mas ainda é limitado, se o cara tem um aprimoramento cultural ele estará sempre buscando, mas imagine que, tem muita gente que nem sequer conhece teatro e nós temos que correr atrás pra mostrar que o teatro pode ser um caminho pra molecada que está surgindo e querendo dar voos novos, é por isso que eu acho que eu, você,... você como agitador cultural, nós temos uma responsabilidade muito grande, não podemos nos sentir satisfeitos com o pouco que construímos.




SIÉLLYSSON - Você é um dos pioneiros do teatro aqui em Santa Rita. Que mensagem você daria para o pessoal que quer se aventurar nos caminhos da arte cênica?

IVONALDO - Eu posso na arte ser pioneiro, só que quando eu cheguei aqui tomei conhecimento de pessoas que já tinham passado dentro desse movimento. Eu estou simplesmente carregando o bastão por um momento. (fixei bem nos seus olhos e me emocionei, lembrei de imediato de muitas pessoas que não estão entre nós, de movimentos culturais fortes, mas que não resistiram aos descasos administrativos, nesse momento ele cita alguns pioneiros que conheci) Como é o caso de Hélito Santana, que tive oportunidade de conhecê-lo e ele se apresentou no meu teatro, Seu Geraldo que teve um trabalho interessante. Então são os nomes que conheço, mas com certeza tiveram outros em tempos mais remotos que vieram com sua contribuição. O que eu quero pra juventude é que olhem pra o passado, porque pra nos tornarmos fortes temos que olhar pra o passado, pra os movimentos culturais passados, pra nossa memória e utilizar esse pessoal (os pioneiros) como referência e segurar o bastão pra que possamos modificar isso tudo. Não podemos ficar nos lamentando que Santa Rita seja uma das cidades mais violenta da Paraíba, se eu não faço nada pra reverter este quadro. Nós temos dentro do nosso meio social, seja ele qual for, mecanismos que podemos usar como armas pela paz. Não podemos nos deliciar, - com todo respeito - com esses programas de Rádio e TV que vão usar como exemplo a morte, “Está acontecendo isso... não vão fazer”, mas o ser humano é um bicho astucioso, ele ver algo errado, pode até não querer, mas de algum modo termina se contaminado, do mesmo modo como ele ver alguma coisa boa, como a arte. Na arte ele se contenta, ele se acha...

SIÉLLYSSON - Ele se “contamina” com o que é bom, né?

IVONALDO - (risos dele) exatamente!




OBS: vejam no marcador ENTREVISTAS outras personalidades santarritenses que já passaram pelo "Café com Siéllysson"


Fotografias: Danielle Tavares e Rafael Freitas.

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